Esse povo não está nem aí para “mulheres estupradas”. Alguém acha que Bolsonaro, que desejou que uma mulher fosse estuprada, se importa com isso?
Por Clara Averbuck Do Carta Capital
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) no dia em que disse que não estupraria a deputada e ex-ministra Maria do Rosário (PT-RS) porque ela “não merece”
Para a galera conservadora, estupro era culpa da mulher que “provocou”, “andou sozinha na rua à noite” ou “bebeu”. Até eles resolverem usar o estupro no tom “e se fosse sua filha estuprada por um menor? E se fosse sua mulher?”.
Me dá vontade de morrer esse argumento. Sequer é um argumento.
Existem menores estupradores? Existem. Eu mesma fui vítima de três deles e achei que fosse culpada do que aconteceu durante boa parte da minha vida. Se eu acho que a redução da maioridade penal teria me trazido justiça? Não acho. Aqueles moleques brancos e de classe média seriam vistos como jovens que cometeram “um erro”. Essa medida, se aprovada, vai se voltar contra a população de baixa renda. Contra preto. Contra pobre. Os menores com grana que cometerem crimes vão continuar se safando, assim como boa parte dos adultos com grana.
Esse povo não está nem aí para “mulheres estupradas”. Alguém acha que Bolsonaro, que desejou que uma mulher fosse estuprada, se importa com isso? Bolsonaro, aquele que diz que tem que TIRAR criança da escola e colocar na cadeia?
Óbvio que não. É apenas um argumento fácil para ser a favor da redução. Essa Câmara não está nem aí pra mulher alguma, diga-se de passagem. E não custa lembrar que 70% dos estupros acontecem em casa e são cometidos por conhecidos ou familiares.
Como escreveu a Mari, minha colega de blog: “Os caras querem colocar a maioridade penal nas nossas costas, falando que ´evita estupros´, mas vale lembrar que na hora de defender os direitos mais básicos e reais das mulheres eles seguem não fazendo nada.
A deputada federal e ex-ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário conversa com manifestantes em Brasília
Ainda sobre estupro: cerca de 7% dos estupros no País resultaram em gravidez, mas 67,4% das vítimas não tiveram acesso ao aborto legal na rede pública, conforme previsto em lei.”
Eu já tive que acompanhar uma mulher violentada até o Pérola Byington, hospital em São Paulo que deveria ser referência em atendimento a mulheres que passaram por violência sexual, e é claro que não é fácil como imaginam. As pessoas acham que é só chegar e falar “olá, fui estuprada e gostaria de fazer um aborto”. Já sabemos que as Delegacias da Mulher não são ambientes nada acolhedores e o hospital, que deveria cuidar da mulher vítima de violência, também não é.
O aborto em caso de gravidez resultante de estupro, previsto em lei, é dificultado em todas as etapas do atendimento.
Então não venham nos usar de argumento nesse Congresso imundo dizendo que querem a redução da maioridade penal porque estão preocupados com as mulheres e os menores estupradores.
Não coloquem mais isso nas nossas costas.
Os menores infratores já são responsabilizados, e o índice de reincidência no sistema socioeducativo é menor; no Brasil, os adolescentes são mais vítimas do que autores de crimes; o sistema prisional já está superlotado, com quase metade dos presos aguardando julgamento (lotar ainda mais é uma ótima desculpa para privatizar as cadeias). Não é reduzir a maioridade penal que vai resolver nossos problemas.
E quem acredita que o Congresso está representando os interesses do povo porque “é o que a maioria quer e isso é democracia”, fique sabendo que a maioria, além de ser a favor da redução da maioridade penal é também contra o casamento gay, contra a legalização do aborto, contra a existência de pessoas trans (o que dizer então de cirurgia de transgenitalização), contra cotas para negros na faculdade e, se bobear, a favor da pena de morte. É isso que você acha certo?