Retrospectiva invisível

Foram 396 mortes por intervenção policial em São Paulo no ano de 2014. A maioria das vitimas era jovem, negra e do sexo masculino. Quase um terço tinha entre 13 e 17 anos. De todas as mortes registradas, 300 ocorreram na periferia e apenas 3,5% nos dez distritos mais ricos da capital. Estes dados, fornecidos pelo Departamento de Inteligência da Polícia Civil de São Paulo (Dipol), foram cruzados com informações do PRO-AIM (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade) e analisados pela Agência Pública. E os índices, apesar de assustadores, infelizmente não surpreendem.

Enviado por Maurício Pestana via Guest Post para o Portal Geledés 

Recentemente, outro caso chamou atenção nos noticiários: cinco jovens negros foram brutalmente assassinados por policiais em Costa Barros, no Rio de Janeiro, enquanto voltavam de uma festa dentro de um carro. Episódios como estes não são tragédias isoladas. Nascer preto e pobre no Brasil é um precedente para ser tratado como suspeito e confundido com bandido, invertendo a máxima de ser inocente até que se prove o contrário. Ou seja, já faz parte da abordagem “padrão” ao negro ser prejulgado e humilhado antes de qualquer averiguação.

O sistema, que supostamente deveria proteger a todos, é balizado pelas relações de desigualdades que permeiam a nossa sociedade. Parece haver uma certa apatia do Estado e conivência da opinião pública quando as vítimas não são brancas ou moradoras de áreas nobres da cidade. É como se a injustiça e a crueldade fossem minimizadas por tratar-se de um enredo corriqueiro, tornando as mortes brutais de tantos jovens negros em apenas mais um número para a estatística.

As retrospectivas comuns nesse período abordarão os acontecimentos mais marcantes do ano, como o lamaçal que encobriu uma cidade em Minas e foi uma das maiores catástrofes ambientais de nossa história. Falarão também da tragédia parisiense, do estado islâmico e dos refugiados sírios na Europa e, com certeza, se esquecerão de uma das maiores tragédias brasileiras, que é morte de jovens negros e pobres da periferia. Uma tragédia assustadoramente silenciosa.

 

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