Saímos da universidade. E agora? O Racismo no ramo corporativo e a geração Z negra

Em novembro fará um ano da revisão da Lei de Cotas, Nº 12.711, que reserva 50% das vagas em universidades, institutos e escolas públicas federais para pessoas quilombolas, negras, indígenas e oriundas de escolas públicas. Houve avanços com os governos progressistas que priorizaram políticas reparatórias, resultado de anos de reivindicação dos movimentos negros no Brasil. Segundo o Censo de 2022, mais de 55 mil pessoas concluíram o ensino médio e acessaram o ensino superior por meio das cotas étnico-raciais. Mesmo assim, o índice de desemprego entre pessoas negras ainda é maior. 

O mercado de trabalho formal ainda não oferece o suporte necessário para as pessoas negras que se especializaram e desejam ingressar no mundo corporativo. Um estudo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mostra que 21,4% da população negra (pretos e pardos) estava desempregada em 2022. Há diversas razões para isso, como a falta de responsabilidade das grandes empresas em acolher pessoas negras que vivem longe dos centros urbanos. 

Para discutir a falta de oportunidades, começamos com o conceito de Racismo Territorial, trazido por Aramis Horvath Gomes e Leonardo Freire de Mello, que explica como o planejamento urbano das grandes cidades tem um problema racial evidente. Reflexões sobre as subjetividades desse termo e suas implicações em nosso cotidiano enquanto pessoas periféricas e faveladas. O olhar eurocêntrico e a segregação socioespacial não geram empatia para os corpos negros que buscam novas perspectivas de vida. 

Essencialmente é possível observar nas dinâmicas sociais corporativas os espaços em que os corpos negros ocupam, ainda que se tenha o tão sonhado currículo profissional/acadêmico, pessoas negras são descredibilizadas tanto no lugar da sua intelectualidade, quanto nas suas possibilidades de promoção dentro dos seus setores. Ao estendermos a reflexão para aqueles que vivem nas favelas e periferias, assombrados pela recorrente violência policial, falta de infraestrutura urbana, dentre outras violações de direitos que são determinantes para garantir a consistência plena ao acesso e a permanência nas oportunidades de ascensão social. Com todas as interferências que atravessam esses corpos, como é possível construir na perspectiva da dignidade e do bem viver um futuro depois da universidade? É possível imaginar radicalmente uma juventude que acredita nas novas perspectivas do trabalho. 

Outra questão presente nas grandes corporações e espaços de poder é a falta de confiança causada pela mentalidade da branquitude corporativa. Nossos costumes de prezar pela construção coletiva e acolhedora são vistos como falta de liderança e comprometimento pelas elites corporativas. A geração Z negra, formada pelas políticas públicas progressistas, vem com atitude e disposição contra as violências coloniais. Eles não aceitam subempregos nem a exaustão mental causada pelo capitalismo. Propõem organizar suas expectativas e denunciar o racismo em qualquer espaço, inclusive vem pautando o fim da escala 6×1 para ter mais qualidade de vida. Com isso são vistos como “difíceis de lidar”, reflexo de um racismo estrutural que enxerga o indivíduo negro no lugar de subserviente que se quer dispõe do direito de opinar, perdendo oportunidades. Mesmo em corporações que dizem “conectamos empresas e comunidades”, percebe-se uma falsa diversidade que não inclui efetivamente as pessoas negras em cargos de liderança, grande parte ficam restritos apenas em funções com salários menores e muitas vezes ocupam lugares elementares para o funcionamento do setor em que está alocado e não são reconhecidos por isso. Grada Kilomba no seu livro “Memória da plantação episódios de racismo cotidiano”, diz que: “não posso ignorar quão difícil é para nossos corpos escaparem às construções racistas sobre eles, dentro da academia”. Este trecho nos faz refletir não só sobre os espaços acadêmicos, mas também a pós formação e as relações excludentes em todos os ambientes de ascensão social. 

A escuta ativa e o debate sobre a inserção de jovens periféricos no mercado de trabalho enfrentaram as amarras de 500 anos de escravidão no Brasil. A sociedade pós-abolição, acostumada com a mão de obra escrava, excluiu gradualmente os corpos negros do mercado, criando políticas de ódio que desqualificam o nosso povo. Como cinco séculos de açoites é capaz de produzir toda uma desgraça coletiva fantasiada de uma diversidade que se quer absorveu conceitos fundamentais como equidade e acesso a direitos, pode se manter em meio às reflexões importantes trazidas por essa geração. 

Abdias do Nascimento, em 1944, já nos ensinava muito sobre metodologias contra o racismo no mercado de trabalho ao criar o Teatro Experimental do Negro como resposta ao racismo no setor artístico. Outro exemplo é a Imprensa Negra Paulista, que quebra estereótipos de inferioridade intelectual da população negra. Atualmente, estratégias de ampliação dos setores e autonomia para apresentação de novas formas de trabalho e as narrativas são as redes sociais, que conectam e organizam diferentes meios de se comunicar, gerando autonomia e recursos para essa nova geração z negra. Temos exemplos de páginas construídas por organizações sociais que geram conteúdo e notícias sobre as vivências da população negra, como o portal Geledés, e o surgimento de influencers negros que pautam e valorizam a estética negra. 

Não podemos esquecer que a juventude negra viva e potente é o sonho de uma construção ancestral, eles vem desenvolvendo negócios a partir da negritude para garantir o pertencimento e o sustento diário. Iniciativas poderosas têm surgido, como a Ponte para Pretxs, o Movimento Black Money e coletivos de impacto social e racial em territórios periféricos – como o Instituto Periférico Waldir Onofre e o Instituto Guetto – que aquilombam e criam verdadeiras conexões entre pessoas negras, a fim de garantir o processo emancipatório desses povos. 

Portanto, quais esforços são necessários para garantir o aperfeiçoamento e a qualificação no sistema corporativo, se ainda temos os vestígios de um sistema escravocrata? As empresas que se consideram plurais, precisam rever as suas políticas de recrutamento, suas jornadas de trabalho, o plano de carreira e as estratégias de permanência das pessoas negras com urgência. A juventude negra está compreendendo os seus direitos trabalhistas, a sua capacidade intelectual e vem se movimentando para desobstruir e desmontar toda e quaisquer estruturas racistas, ao passo que avançando na luta por dignidade e bem viver, reescrevemos uma nova história de liberdade e emancipação. 


Autoras: 

Ingrid Nascimento – Historiadora, especialista em Ciências Sociais, organizadora e coautora do livro “Poesia Preta: poetas negros(as) da zona oeste” e diretora do Instituto Periférico Waldir Onofre. 

Magda Gomes – Gerente de Projetos, estudante de Engenharia Civil, Co Presidente do Instituto Guetto. 


Referências bibliográficas: 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-05/desemprego-e-maior-entre-mulh eres-e-negros-diz-ibge 

https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=14723&ano=2023&ato=06bIT W650MZpWTc42 

https://biton.uspnet.usp.br/imprensanegra/index.php/tribuna-negra/tribuna-negra-091935/ Gomes, Nilma Lino. O Movimento Negro Educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. 

Aramis Horvath Gomes, Leonardo Freire de Mello. Racismo Territorial: o planejamento urbano tem um problema de raça? 

Kilomba, Grada. Memória da plantação episódios de racismo cotidiano (2019, p. 65).


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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