O homicídio do nigeriano Alika Ogorchukwu chocou a Itália. Na última sexta-feira (29), em uma rua movimentada da cidade de Civitanova Marche, na região central do país, ele foi espancado até a morte, à luz do dia, diante de pessoas que assistiram, filmaram, fotografaram, mas não tentaram impedir o crime. Como mostram as imagens de câmeras de segurança, o assassino, o italiano Filippo Claudio Ferlazzo, pegou a muleta que o africano usava para caminhar, o surrou e o sufocou até morrer. A agressão durou 4 minutos.
Várias questões foram levantadas desde que as imagens do assassinato brutal do vendedor ambulante começaram a circular. Mas o principal pensamento que paira desde então na Itália é resumido pelo vice-secretário nacional da associação de nigerianos no país, Patrick Guobadia: “Se Alika fosse italiano, alguém teria acudido?”
A viúva de Alika busca um sentido para o gesto insano. No sábado, ela disse aos repórteres que gostaria de estar cara a cara com o assassino para perguntar-lhe os motivos do gesto. Ogorchukwu vivia no país com sua mulher há mais de 10 anos e tinha um filho de oito anos.
Após um protesto espontâneo logo após o assassinato, a comunidade nigeriana voltará às ruas no próximo fim de semana ao lado de associações e instituições.
Mas não só a comunidade nigeriana criticou a indiferença das testemunhas. Políticos e representantes da sociedade civil também ficaram indignados com a falta de ação das pessoas presentes no momento do assassinato. Mas nas redes sociais, muitos também interpretam a reação das testemunhas como “medo de se ferir”.
O porta-voz da polícia local, Matteo Luconi, disse que não há, até o momento, elementos que apontem para um crime de racismo, e as investigações iniciais revelam que as agressões teriam sido motivadas por um pedido de esmola de Ogorchukwu.
Ferlazzo, que foi preso no sábado, disse no primeiro depoimento que agrediu o homem porque ele teria feito comentários “inadequados” sobre a mulher que o acompanhava. Depois admitiu que o ataque de ódio foi motivado por um pedido considerado “insistente” de esmola. Além do crime de homicídio, ele foi indiciado pelo roubo do celular de Alika Ogorchukwu. A advogada de Ferlazzo alegou que ele tem “problemas psiquiátricos”.
Itália racista?
Na Itália é difícil obter estatísticas atualizadas sobre o racismo. A associação Lunaria, uma ONG laica e independente fundada em 1992, publicou um relatório no qual analisa os dados fornecidos pelo Observatório ODIHR/OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) sobre crimes de ódio, alimentado por dados oficiais fornecidos pela Polícia e pelo OSCAD (Observatório de Segurança contra atos discriminatórios). Eles também se baseiam em outra fonte oficial de referência: o UNAR (Escritório Nacional contra a Discriminação Racial).
De acordo com a Lunaria, a Itália não é um país acolhedor. Em 18 anos, entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de março de 2020, houve 7.426 episódios de racismo em solo italiano. Desse total, 5.340 são casos de violência verbal, 901 agressões físicas, 177 danos materiais e 1.008 casos de discriminação.
Segundo os dados desta associação, o motivo “étnico-racial” é o mais recorrente (mais de 70%), seguido pelo religioso, orientação sexual, a discriminação motivada por preconceitos à deficiências, idade, enquanto preconceitos múltiplos são menos comuns.
Caso entra na campanha eleitoral
O assassinato tornou-se um tema de discussão dentro da campanha eleitoral italiana, que vive atualmente mais um momento de turbulência política desde o pedido de demissão do chefe do governo, Mario Draghi. Mesmo se todos se posicionaram contra o gesto brutal, os partidos de direita são acusados de fomentar o racismo.
“Uma esquerda desesperada usa um homem pobre morto por um criminoso há dias para acusar a mim, a Liga, e milhões de italianos de racismo”, rebateu nas redes sociais Matteo Salvini, líder da Liga, o partido de extrema direita, antes de pedir que a segurança seja restaurada nas cidades italianas.