“Um bicho estranho”, assim se define o músico Naná Vasconcelos. E não é porque esse pernambucano, homenageado do carnaval recifense, não se considera folião como boa parte dos conterrâneos. A festa de Momo, para ele, sempre foi sinônimo de trabalho e, hoje, de descanso. “É assim que muita gente me via, porque tocava coisas que ninguém tocava, penicos, caçarolas, coisas que não são usuais”, explicou o mago da percussão, que tira som até da água da piscina de casa – escute “Suíte das Águas”, do álbum “Sinfonia e Batuques”, para entender.
Hoje, aos 68 anos, ninguém mais estranha os “métodos” de Juvenal de Holanda Vasconcelos. Ele é ovacionado no mundo todo por este talento alquímico, que diz ter desenvolvido sozinho – aos 12 anos, já era músico, tocando em cabarés da cidade, com liberação do Juizado da Infância. Porém, Naná Vasconcelos ainda lamenta um fato: “eu sou um Brasil que o Brasil não conhece. As pessoas aqui me conhecem só como o cara que faz a abertura do carnaval, maracatu, essas coisas. Ninguém sabe de mim aqui”, disse o músico, em conversa com o G1, em sua confortável casa, na Zona Norte do Recife.
que o tornou famoso no Brasil. (Foto: Luna Markman/ G1)
A crítica dele gira em torno de um trabalho que considera quase inédito no país, um concerto musical com instrumentos percussivos, no qual reina como solista absoluto, com seu inseparável berimbau. Ele carrega no pescoço, inclusive, um pingente em ouro do instrumento de corda do qual se aproximou na década de 1960 e ficou consagrado no cena musical. A apresentação é acompanhada por orquestras sinfônicas – um encontro dos extremos, o erudito e o popular.
“Eu faço [o concerto de berimbau] pelo mundo, e nunca toco aqui.Pernambuco tem essa história que todo artista pernambucano tem que sair daqui, Lenine, Cordel do Fogo Encantado, Nação Zumbi, Mestre Ambrósio. Pernambuco não sabe vender o que tem, diferente dos baianos, por exemplo. O carnaval é popular, fantástico, mas ao mesmo tempo é muito pobre, às vezes circula mais dinheiro em um camarote lá em Salvador do que em todo Carnaval do Recife, porque aqui não tem essa visão de mercado ”, critica.
Segundo Naná, esse trabalho só foi realizado porque morava fora do país – ele passou mais de 20 anos entre Paris, na França, e Nova Iorque, nos Estados Unidos, retornando ao Brasil em 1986. “Aqui, eu só acompanhava canários [cantores], porque eu toco instrumentos que não são melódicos, de certa forma, e eu criei uma coisa única, que é fazer um concerto de percussão musical. Não foi fácil, mas consegui, quebrei certas barreiras. Hoje faço isso no mundo todo, e isso o Brasil não conhece. Conhece apenas aquele mito, o cara que ganhou oito Grammys, mas eu nunca tenho a oportunidade de mostrar isso aqui”, falou.
Naná ainda tem outra filha, que mora nos Estados
Unidos. (Foto: Luna Markman/ G1)
Mas o próprio músico ameniza suas reclamações, falando que o Brasil é artisticamente rico, tem cantores, bandas e movimentos surgindo o tempo todo. “O Brasil tem tanta coisa acontecendo, para o estilo que você correr, tem dois ou três de destaque. O país é assim, com música popular e ‘pra pular’, de excelente qualidade. Foi Tom Jobim, que também vivia em Nova Iorque, que me fez entender isso de certa forma, porque ele também não era convidado para tocar aqui”, explicou.
O último Grammy de Naná foi conquistado em 2011, na categoria “Melhor Álbum de Raízes Brasileiras – Regional Nativa”. O disco que rendeu o prêmio ao músico foi “Sinfonia e Batuques”, lançado pela Azul Music, em 2010. E foram vários “canários” que tiveram a voz acompanhada pelo seu batuque, como Milton Nascimento, Geraldo Vandré, Caetano Veloso e Marisa Monte.
Ele afirma que a parceria com Egberto Gismonti foi marcante na carreira dele. O encontro rendeu um Grammy Latino, com o álbum “Dança das Cabeças”. E será que o pernambucano ainda deseja trabalhar com algum artista? “Acho que não, já me meti em tantas situações, com diferentes músicos, diferentes músicas, até eletrônica. Vou de Villa Lobos a Jimi Hendrix. Toquei com B.B. King, Miles Davis, Talking Heads, Brian Eno. E eu nunca procurei trabalho, as coisas sempre foram aparecendo para mim”, comentou.
(Foto: Clélio Tomaz/ Prefeitura do Recife)
Desafios
Neste carnaval, Naná Vasconcelos vai estar em todo canto. Não apenas na abertura da festa, quando tradicionalmente rege centenas de batuqueiros de maracatus do estado. Já comanda esse espetáculo há 12 anos, no Marco Zero do Recife. “Foi um desafio fazer esse encontro, pois os maracatus são inimigos, de uma certa forma. É como colocar as baterias da Mangueira e Portala para tocarem juntas. Eles só aceitaram porque entenderam que eu representaria e defenderia eles, pois estavam desaparecendo, só participava quem morava nos bairros e morros carentes. Hoje, muitas barreiras foram quebradas e as pessoas vão até eles, não têm mais medo, e tem até mulheres tocando maracatu, que era proibido”, falou.
Outro trabalho desafiante de que Naná Vasconcelos orgulha-se bastante é o desenvolvido com crianças, como Língua Mãe e ABC Muscial. O primeiro reúne crianças brasileiras, portuguesas e africanas em um espetáculo percussivo. No outro, ele introduz jovens entre 7 e 12 anos de vários países no ensino musical. “Coisas assim me interessam fazer, pois são coisas que vão ficar. Fui a Portugal, África, Brasil, peguei crianças, que nunca vão se esquecer disso. Me sinto útil assim, porque peguei o que sei fazer, a música, para dar cidadania, identidade para elas”, comentou.
O próximo desafio será o lançamento de “Quatro elementos”, que terá dez músicas inéditas. A retomada da produção e lançamento do disco está previsto para logo depois do carnaval. O ‘bicho estranho’ está pronto para atacar mais uma vez. “Estou muito feliz com a homenagem. Eu sou chorão, não sou de esconder minhas emoções, já chorei por isso. É muito forte para mim porque já recebi tantos prêmios lá fora, mas aqui, no Recife, ainda quando estou vivo, foi uma surpresa para mim, profundamente gratificante”. Além de Naná Vasconcelos, o fotógrafo pernambucano Alcir Lacerda, falecido em 2012, também é homenageado na folia da capital pernambucana, este ano.