Tia Ciata, Milton Santos e outras personalidades negras viram nomes de ruas no Porto

Homenagens foram publicadas nesta sexta em decreto de Eduardo Paes. Dodô da Portela e a pintora Tia Lúcia também batizam novas vias da região

Tia Ciata, a matriarca do samba, e outras personalidades negras batizarão ruas ainda sem nome da região do Porto. O decreto do prefeito Eduardo Paes com as homenagens consta do Diário Oficial desta sexta-feira. A lista inclui Dodô da Portela, a pintora Tia Lúcia e o geógrafo Milton Santos. Uma quinta via passará a ser chamada de Ilha das Moças, que existiu no passado, mas acabou aterrada.

Todas as ruas foram abertas entre 2011 e 2015, durante as obras de revitalização do Porto, e eram até ontem conhecidas apenas por códigos. Baiana de Santo Amaro, mãe de santo e figura influente nos primórdios do samba, no Rio de Janeiro do começo do século XX, Tia Ciata, ou Hilária Batista de Almeida, será reverenciada num espaço privilegiado, entre a Praça Mauá e a Pedra do Sal, lugar onde morou antes de se mudar para a Praça Onze. No mês da Consciência Negra, seu nome estará em placas no lugar de um A3 sem qualquer significado para a cidade.

— Além de a rua ser próxima à Praça Mauá, ela leva até a Pedra do Sal, lugar tombado pelo Inepac como patrimônio imaterial e onde Tia Ciata morou. Minha bisavó viveu aqui na nossa Pequena África, e nessa área que faz a ligação com a Pedra do Sal ela cultivava a sua gastronomia, o samba e a proteção da religião de matriz africana. Era tudo ali — afirma a bisneta Gracy Mary Moreira, diretora do Centro Cultural Casa da Tia Ciata, ressaltando. — Essa pedra foi esculpida por pessoas escravizadas. É um local emblemático, sagrado, onde Tia Ciatia fazia o seu zungu.

A iniciativa de celebrar essas figuras partiu da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp), em parceria com a Secretaria municipal de Planejamento Urbano e a Coordenadoria Executiva de promoção da Igualdade Racial, e faz parte do calendário de celebração da Consciência Negra. A Rua Pintora Tia Lúcia, na Gamboa, perto da Praça da Harmonia, sequer tinha um código até ontem. Lúcia Maria dos Santos, a homenageada, era um ícone do Porto e participou ativamente das mudanças recentes na região. Ela, que faleceu há pouco mais de três anos, era uma artista de mão cheia, que deixou obras espalhadas pela cidade. Tia Lúcia fazia quadros com material reciclável, organizou exposições com artistas da região e dava aulas de arte para crianças.

Sua imagem está gravada na escadaria de acesso ao Morro da Conceição, e num mural em frente ao Largo de São Francisco da Prainha.

A Rua Milton Santos, antes D1, no Santo Cristo, próximo a um novo residencial nas imediações da rodoviária, eterniza o maior pensador da geografia do mundo, para quem esse campo do conhecimento não deveria dissociar território de suas transformações sociais. Para ele, a geografia deve refletir sobre como a vida se move nos espaços. O geógrafo baiano também era escritor, cientista, jornalista, advogado e professor. Na ditadura militar, foi preso e se exilou na França, onde deu aulas em universidades, como a Sorbonne. Em 1994, ganhou o prêmio Vautrin Lud, espécie de Nobel da geografia.

Vinte anos depois de sua morte, a geografia do Porto passa também a jogar luz sobre sua história. Assim como sobre o passado e a importância de Dodô da Portela para as novas gerações. Maria das Dores Alves, a Dodô, que morreu em 2015, foi porta-bandeira da azul e branca de Madureira e contribuiu para o primeiro campeonato da escola, em 1935. Ela morava no Morro da Providência, e sua casa, que lembrava um pequeno museu, era ponto de referência para quem subia a comunidade. Sua rua fica na Gamboa, perto da Providência.

— Agora, passado o período de crise, os olhos novamente se voltam para o Porto, que sempre foi um ponto de encontro e cuja história vai ganhando cada vez mais corpo. É uma área que já tinha uma identidade e não à toa é chamada de Pequena África. E esses personagens importantes trazem ainda mais valor à região — afirma o presidente da Cdurp, Gustavo Guerrante, lembrando que Tia Lúcia e também Dodô da Portela tiveram atuação destacada na revitalização do Porto.

Após essa primeira leva de ruas batizadas, a Cdurp deve pesquisar outras personalidades, já que há mais vias sem nomes. Inclusive, a região ganhará mais uma nova rua num terreno desmembrado da companhia na Via Binário.

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