Um partido feminista? Perfeito. Desde que não dure muito

Uma aliança política de mulheres seria instável e eventualmente implodiria. Mas não seria pior por isso

Por Yvonne Roberts

Se os rumores estiverem corretos, esta semana uma série de mulheres deputadas da coalizão serão promovidas, entre elas Liz Truss, Esther McVey, Priti Patel e a mulher que não tem medo de dizer “testículos” na Câmara dos Comuns, Penny Mordaunt, para substituir os “velhos colegas” que possivelmente incluem Eric Pickles e Ken Clarke.

O que a acadêmica e deputada conservadora modernizadora Kate Maltby definiu na semana passada como feminismo moderno, o “florescimento individual”, certamente vai bem de saúde. Ora, o número de mulheres no gabinete poderá até aumentar 100%, para espetaculares seis, por isso quem realmente precisa de um partido feminista quando os rapazes estão se comportando graciosamente e são tão receptivos em seu convite atrasado para compartilhar o poder?

Na semana passada, a jornalista Suzanne Moore pediu a criação de “um grande e gordo partido feminista”. Enquanto elogiava a série de campanhas online como a “Chega de Página 3” e a energia das jovens feministas (Caitlin Moran atrai fãs cuja devoção supera até as de Cliff Richard), Moore escreveu: “Parte da energia de uma nova geração de feminismo se dissipa porque não está ancorada em uma estrutura política”. Embora seja crucial denunciar o sexismo, a violência e a discriminação, entre outras questões, alcançar uma mudança positiva é mais difícil.

Harriet Harman, vice-líder do Partido Trabalhista, permanente e injustamente no banco de castigo político, foi testemunha disso, também na semana passada, quando deixou clara a diferença entre o que os homens creem estar acontecendo e o que as mulheres sabem estar acontecendo.

No jantar trabalhista para angariar fundos do qual participei na quarta-feira 9, esse processo estava muito vivo, assim como em todos os partidos políticos. As mulheres participaram, algumas até angariando mais que os homens (um guache em papel de Anish Kapoor leiloado não sai barato), mas, como escreveu a falecida Marilyn French nos anos 1980, “nem todos os homens têm poder, mas só os homens têm poder”. Assim, as mulheres em muitos locais de trabalho, como em Westminster, seguem as regras dos rapazes. Se não o fizerem, como indicou Harman, não são consideradas “dignas do clube”; correm o risco de perder o pé na escada profissional, ser acusadas de vestir-se mal, ter mau julgamento e sofrer de pouco senso de humor (farpas um pouco menos ferinas que as de algumas décadas atrás, que habitualmente incluíam a acusação de frigidez e de ter cara de peixe congelado).

Harman decidiu se manifestar porque ela chegou a uma idade em que não dá mais importância a jogar esse jogo.

Disse que quando eleita vice-líder não foi nomeada vice-primeira-ministra por Gordon Brown, como fora seu antecessor, John Prescott, e frequentemente lhe disseram para parar de “insistir” nas questões femininas.

Foi exatamente sua insistência – e a de outras políticas trabalhistas e sindicalistas – que levou às listas só de mulheres, à estratégia nacional de assistência à infância e à legislação pró-igualdade, que por sua vez ajudaram a colher um número vencedor de votos femininos.

Mas as mulheres ainda são convidadas à mesa patriarcal, e não estão lá em igualdade. Um grande partido feminista? Excelente ideia – mas a verdadeira dificuldade é decidir o que acontece depois.

Em 1969, Judith Ford, Miss Illinois, de 18 anos, foi coroada Miss EUA enquanto lá fora, no passeio de madeira, as mulheres liberais gritavam: “Atlantic City é uma cidade com classe. Eles levantam sua moral e julgam sua bunda!” Sutiãs não foram queimados, mas foram parar na lata de lixo da liberdade, juntamente com panos de prato e cílios postiços.

Várias décadas depois, o condicionamento foi revelado como muito mais complexo. A manutenção feminina hoje inclui depilação a cera, bronzeamento, extensões de cabelo, unhas postiças e cílios do tamanho de uma cauda de pavão, enquanto a cirurgia cosmética floresce – isso para as de menos de 20 anos.

O capitalismo aprendeu rapidamente a colonizar o feminismo e a transformá-lo em um servo do mercado – mas a resistência gradativa, ajudada pela mídia social, continuou.

“Como uma garota” é um insulto difamatório, por exemplo, mas um vídeo que contesta essa negatividade foi assistido por 31 milhões de pessoas.

Graças à internet, despertar um senso de vigilância é a parte fácil; conquistar uma mudança real é a montanha a se escalar. Então o que buscaria um partido feminista? Em 1970, a primeira Conferência da Libertação das Mulheres no Reino Unido exigiu pagamento igual, educação e oportunidades de emprego iguais, contracepção grátis e aborto a pedido, creches 24 horas (para trabalhadoras em turnos, não para deixar permanentemente a prole).

Separatistas, socialistas, anarquistas, marxistas, trotskistas e essencialistas, também conhecidas como deusas femininas ligadas à Terra, para citar apenas algumas, posteriormente não apenas deixaram de concordar como falharam sobre como concordar.

Uma reunião não hierárquica e cooperativa tinha seus reveses – especialmente se ninguém quisesse parecer macho-alfa demais assumindo a liderança. Maltby diz que o feminismo é unido apenas por uma simples crença: “O gênero não deveria limitar as oportunidades de vida das pessoas”.

Mas fazer o que exatamente? O que quer que tenha acontecido com o ideal de Thomas Paine de toda a capacidade humana realizada em benefício do bem-estar de toda a comunidade, e não apenas dos poucos florescentes?

Na Suécia, a Iniciativa Feminista (FI) foi fundada em 2005. Em 2014 ela ganhou 5,3% dos votos e hoje tem Soraya Post como deputada no Parlamento Europeu. Moore afirma com razão que 5% dos votos na Grã-Bretanha dariam às feministas uma alavanca como a do Ukip (partido radical de direita, cada vez mais ascendente na política britânica) para conquistar espaço em debates nacionais; perturbar as estratégias eleitorais dos partidos principais em assentos oscilantes e chamar a atenção para o descontentamento geral com a agenda neoliberal – não apenas entre muitas mulheres, mas também entre rapazes e homens da classe trabalhadora destituídos que trabalham mais horas na Europa e são alijados em áreas como a assistência à infância.

Na Grã-Bretanha, 70% dos cortes até agora atingiram as mulheres; as trabalhadoras sociais podem ganhar pouco mais de 5 libras por hora; as trabalhadoras em meio período, principalmente no setor privado, recebem pagamento 43% inferior ao dos homens em período integral – tudo isso é exacerbado pela constante privatização e destruição do setor público, que mais contribuiu com as mulheres e seus filhos.

É claro que algumas mulheres estão subindo a ladeira, mas a diversidade está ausente – classe e etnia também importam.

As socialistas feministas podem ir para a cama com conservadores de direita que afirmam estar na irmandade? Provavelmente com grande dificuldade, mas alianças em todas as áreas políticas tradicionais parecem estar acontecendo no Ukip e no SNP. Elas não significam necessariamente relacionamentos duradouros.

Se a história servir de guia, um partido feminista é um catalisador que tende a implodir – mas, como todo poder eventualmente corrompe, não seria pior por isso.

A feminista Marilyn French queria ver o prazer como principal objetivo da política. Mas, de certa forma, “o que queremos?” “Felicidade para todos.” “Quando queremos?” “Agora!” não parece estar no tom certo.

Pensando bem, talvez contenha uma promessa política muito mais duradoura do que o “florescimento individual” praticado pelas novas mulheres no gabinete.

Fonte: Carta Capital

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