Vai-Vai, como um quilombo cultural, mostra o que o povo negro é capaz de realizar

Enviado por / FontePor Kátia Mello

Artigo produzido por Redação de Geledés

“A Vai-Vai como um quilombo cultural quer mostrar através de seu enredo que o povo negro é capaz de realizar grandes conquistas”, diz Janaína Soares

Da diáspora africana ao racismo estrutural, a Vai-Vai entra na madruga deste sábado para domingo, às 1h45, no sambódromo em São Paulo, para contar a história da população negra, com o tema “O Quilombo do Futuro”. Aos 25 anos de carnaval, a Escola do Povo, como é carinhosamente chamada pela comunidade do Bixiga, exalta o povo negro com homenagens dos carnavalescos Hernani Siqueira e Roberto Monteiro.

A vereadora carioca Marielle Franco será homenagiada pela escola de samba VAI-VAI (Foto: PSOL/Reprodução.)

Na quarta alegoria, intitulada “Sim, nós Podemos!”, a narrativa é baseada no conceito do movimento “afrofuturismo”, com a presença de importantes representantes da comunidade negra brasileira, entre eles , Nilza Raci, coordenadora do Geledés -Instituto da Mulher Negra, os filósofos Silvio de Almeida e Djamila Ribeiro, a deputada estadual Erica Malunguinho, o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, a executiva Rachel Maia, entre outros. A proposta dessa alegoria – uma verdadeira constelação de estrelas pretas – é dizer ser possível romper barreiras que mantêm a estrutura do racismo. A vereadora carioca Marielle Franco, brutalmente assassinada em um atentado em março de 2018, também será homenageada.

Neste ano, a Vai-Vai terá duas intérpretes, Grazzi Brasil e Didi Gomes, como conta à coluna Geledés no debate Janaína Soares, diretora do Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Vai-Vai. Janaína desfila na Vai-Vai desde os 14 anos e já passou por diversos segmentos da escola, como chefe de ala, harmonia e direção de carnaval.

Na entrevista, Janaína também fala sobre o fato de a escola ter enfrentado um problema de violência contra a mulher e como reverteu o episódio em uma campanha para tratar do tema. Em 20 de fevereiro, o diretor de bateria da Vai-Vai, Anderson Roberto, o Pepê, agrediu uma mulher durante o ensaio, enquanto a plateia gritava “Maria da Penha”, em referência à lei que protege as mulheres vítimas de violência. A escola afastou o diretor e a Liga Independente das Escolas de Samba, responsável pelo carnaval de São Paulo, também proibiu Pepê de entrar no Sambódromo, anunciando que irá colocar seguranças para acompanhar os desfiles deste final de semana.

Janaína Soares (Foto: Arquivo Pessoal)

Geledés -Um membro da diretoria da escola agrediu uma mulher em janeiro. A escola afastou o diretor e em comunicado disse ser contra atos de violência. Como está o andamento judicial deste caso?

A escola prestou todo apoio à vítima e sua mãe, colocando-se à disposição das mesmas tão logo teve conhecimento dos fatos; buscou advogadas e psicólogas para o atendimento imediato à vítima, bem como montou um comitê de mulheres dos diversos segmentos para conversas.

Respeitamos a decisão e posição da vítima em não querer se expor, pedindo para ser preservada, mas deixamos claro que estamos prontas para auxiliá-la no que for preciso nos trâmites subsequentes.

No que tange ao andamento judicial, fomos informados de que ela fez o Boletim de Ocorrência, mas ainda não representou.

Nilza Iraci, representará Geledés -Instituto da Mulher Negra,  na alegoria intitulada “Sim, nós Podemos!” (Foto: Reprodução/Facebook)

Geledés – Como se deu a iniciativa de se lançar uma campanha de combate à violência contra mulheres a partir desse fato e o que se pretende com essa iniciativa?

A iniciativa surgiu da percepção de que há a necessidade de alertar e encorajar as mulheres da comunidade a denunciarem os diversos tipos abusos e todos os tipos de violência.

Espera-se com um isso, ter um grupo de trabalho que atue ao longo do ano com conscientização, palestras, trabalhos e ações pró – valorização da comunidade e de forma a banir todo tipo de desrespeito em especial contra as mulheres.

Esse grupo que está sendo montado por voluntarias dos diversos segmentos da escola e deverá ser anunciado antes do carnaval 2019.

 

“A campanha de combate à violência contra mulheres surgiu da percepção de que há a necessidade de alertar e encorajar as mulheres da comunidade a denunciarem os diversos tipos abusos e todos os tipos de violência.”

 

Geledés – O enredo deste ano da Vai-Vai fala sobre a desigualdade racial. O que significa esse tema para a escola e como se dá o processo de transformar o tema em uma música? Quem participou? Conte-nos a história.

A Vai-Vai é uma escola que prima pela matriz africana, sua raiz, sua cultura e, neste contexto, sempre está ligada à sua ancestralidade afro. A Vai-Vai como um quilombo cultural quer mostrar através de seu enredo que o povo negro foi e é capaz de realizar grandes conquistas; conquistas essas que os livros apagaram.

O Quilombo do futuro faz um alerta ao povo preto: Sim, você é capaz!!! Seu povo tem uma história linda, de luta! Faça igual, faça melhor!!

Geledés – A Vai-Vai contará neste ano com duas mulheres intérpretes. Por que decidiram optar por elas e o que representa esta iniciativa dentro do universo carnavalesco?

Pelo segundo ano consecutivo, a Vai-Vai terá uma mulher como intérprete oficial, Grazzi Brasil, e a Didi Gomes estará na equipe de apoio de canto. A escolha se dá unicamente pelo talento de cada uma delas. Ou seja, isso prova que o talento deve sempre prevalecer independentemente de gêneros. Esperamos contribuir de forma decisiva para aumentar a participação feminina no canto das escolas de samba.

 

Geledés – Erika Januza é a musa da escola neste ano e a angolana Carmen Moura, a madrinha. Quais considerações são levadas em conta para serem feitas essas escolhas e o que se espera de seus desempenhos?

O conjunto de suas obras, a representatividade de cada uma em seus segmentos, a identificação com o conteúdo do enredo no tocante ao protagonismo da mulher negra nos fizeram convidá-las para participarem do Quilombo do Futuro.

“A Vai-Vai é uma escola que prima pela matriz africana, sua raiz, sua cultura e, neste contexto, sempre está ligada à sua ancestralidade afro. A Vai-Vai como um quilombo cultural quer mostrar através de seu enredo que o povo negro foi e é capaz de realizar grandes conquistas; conquistas essas que os livros apagaram.”

Geledés – Em tempos de redes sociais, onde tudo é fotografado e comentado, como manter segredo sobre as fantasias e carros alegóricos até o dia do desfile?

Conscientizamos cada pessoa que visita nossas instalações de que os segredos da escola fazem parte fundamental do carnaval.

Janaína Soares (Foto: Arquivo Pessoal)

Geledés – Você desfila na escola desde os 14 anos. O que mudou na escola nessa última década e o que ela espera para este desfile?

Nesta última década percebemos mudanças significativas no mundo e na sociedade de um modo geral, como o avanço da comunicação e isso também aconteceu nas escolas de samba. O celular, por exemplo, no que tange a organização do evento, possibilitou uma comunicação mais imediata que contribuiu com a tomada de decisões, mobilização de grupos, disseminação de ideias e informações. Para um desfile de escola de samba do porte da Vai-Vai, isso é muito importante.

 

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