Vidas negras importam ou a comoção é seletiva?

Há três meses ocorreu a chacina de Costa Barros, na qual cinco jovens negros foram assassinados pela PM no Rio. Por que não houve comoção nacional?
por Djamila Ribeiro, do Carta Capital

Nesta semana faz três meses que ocorreu a chacina de Costa Barros, na qual cinco jovens foram brutalmente assassinados pela Polícia Militar carioca. No total, 111 tiros foram disparados contra o carro onde Wilton, Wesley, Cleiton, Carlos Eduardo e Roberto estavam. Os quatro PMs acusados do assassinato estão presos, mas as famílias dos jovens seguem desamparadas pelo governo do RJ que sequer arcou com as despesas do enterro.

Segundo dados da Anistia Internacional, dos 30 mil jovens vítimas de homicídios por ano,77% são negros. O movimento negro vem denunciando há tempos o que chama de extermínio da juventude negra.

Em 2014, Claudia Ferreira da Silva foi baleada e morta numa operação da polícia militar no Morro da Congonha, zona norte do Rio.  Teve seu corpo colocado no porta malas do carro da polícia. Enquanto dirigiam, o porta malas abriu e seu corpo foi sendo arrastado pelas ruas. Os policias que cometeram o ato estão respondendo ao caso em liberdade e em vários veículos jornalísticos ela virou a “arrastada”, sem nome, sobrenome e dignidade.

Em janeiro de 2015, cerca de 2 mil pessoas foram mortas em cinco dias de ataques na cidade de Baga, Nigéria, cometidos pelo grupo terrorista Boko Haram, que também desde 2014 estima-se que tenha seqüestrado por volta de duas mil mulheres.

O que essas ações terroristas têm em comum? No Brasil são perpetradas pelo Estado, e, na Nigéria, por um grupo fundamentalista. Além disso, estamos falando de pessoas negras. Qual foi a comoção nacional em relação ao assassinato dos jovens em Costa Barros e o de Cláudia? Qual foi a cobertura dada pela mídia em relação às meninas nigerianas?

Por outro lado, o ataque sofrido por jornalistas do Charlie Hebdo, em Paris, também em janeiro de 2015, causou comoção no mundo. Campanhas foram criadas nas redes sociais com o slogan Je suis Charlie e a mídia brasileira dedicou boa parte de sua programação a esse fato.

Em novembro de 2015, outro ataque terrorista em Paris, que deixou dezenas de mortos, também causou emoção. Mais campanhas foram criadas e o Facebook até disponibilizou um filtro com as cores da bandeira da França para as pessoas colocarem em seus perfis em solidariedade.

Com isso, de forma alguma quero dizer que as mortes ocorridas em Paris não deveriam ser lamentadas e impor com o que as pessoas devem se emocionar ou não, muito menos criticar quem se comoveu. Não podemos rebaixar a discussão a esse nível.

Minha questão aqui é outra: por que o corpo negro estendido no chão não comove?

Por que não se criou campanha chamada Je suis Baga? As mortes de pessoas negras já estão tão naturalizadas que as pessoas agem como se fossem norma, o que acaba sendo mesmo num Estado racista.

Será que a mente do brasileiro está tão colonizada e a emoção condicionada ao ponto de chorar a morte de franceses e não a morte cotidiana e sistemática dos seus? Ou de não se importar com o que acontece em países africanos?

A verdade é que as vidas negras não importam dentro dessa lógica racista. Judith Butler define bem isso em entrevista a George Yancy: “Quando algumas pessoas refazem a mensagem ‘a vida da população negra importa’ para ‘Toda Vida Importa’, elas não entendem o problema, mas não porque a mensagem delas é falsa. É verdade que todas as vidas importam, mas é igualmente verdade que nem todas as vidas são construídas para importar. E é precisamente por isso que é mais importante nomear as vidas que não importam e estão lutando para isso no modo que elas merecem”.

E é por isso que nós, feminismo negro, movimento negro e aliados, seguiremos dizendo: a vida negra importa. E é necessário que essa sociedade, além de chorar essas mortes, se responsabilize por elas. Nós não esqueceremos.

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