Vítima vive via-crúcis e falta de estrutura após estupro

Sofrimento de vítimas se prolonga depois do crime com precariedade do atendimento em delegacias e na coleta de provas

Por André Monteiro, Angela Boldrini, Eduardo Geraque, Emilio Sant’Anna, Fabricio Lobel e Rogerio Pagnan Na Folha de São Paulo

A maior parte dos casos de violência sexual no país nunca chegará a ser investigada. A estimativa é que sejam mais de 500 mil por ano. O retrato dos cerca de 50 mil registros que chegam até a polícia assusta –como o estupro coletivo da adolescente de 16 anos em uma favela do Rio e dois casos semelhantes em um ano no Piauí. O que se segue às denúncias também.

Delegacias de Defesa da Mulher que funcionam apenas em “horário comercial”, descaso e constrangimentos durante o atendimento e falta de estrutura para examinar as vítimas. Problemas que se acumulam, reforçam a descrença na Justiça e parecem realimentar um sistema que não fica sabendo, não investiga e não pune os agressores.

“Por que as mulheres tendem ao silêncio? Vergonha, medo, sentimento de culpa, descrédito na Justiça e medo de exposição, que chamamos de revitimização”, diz a promotora Valéria Diez Scarance Fernandes, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo.

Para ela, é o que ocorre agora com a adolescente vítima de estupro coletivo no Rio. O crime ocorreu em 21 de maio, no complexo de favelas São José Operário, zona oeste, mas só se tornou público três dias depois, quando um vídeo de 38 segundos foi publicado em redes sociais.

Nele, ao menos três homens estão em um quarto com a adolescente desacordada e um toca nas partes íntimas da garota dizendo que ela foi violentada por “mais de 30”.

Oito dias depois, após surgirem uma série de críticas sobre a forma “machista” com que a vítima era tratada pela polícia, o delegado Alessandro Thiers, titular da DRCI (Delegacia de Repressão a Crimes de Informática), foi afastado das investigações. Antes havia sugerido que o exame na garota iria contradizer a versão do estupro.

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Situações assim não são raras. Uma série de reclamações na Ouvidoria da Polícia Civil de São Paulo mostram isso. Entre elas constam ainda a dificuldade em se registrar um B.O., o descrédito dado às vítimas e a lentidão das investigações.

Os problemas não param por aí. Em São Paulo, nenhum dos dez distritos campeões de registros de estupro de 2015, possui Delegacia da Mulher.

Isso significa que a maioria das vítimas de regiões como Capão Redondo, Itaim Paulista (zona leste) e Jardim das Imbuias (zona sul) não foi atendida em unidades com estrutura especial para esses casos.

Estrutura que também falta durante a realização de exames, principalmente no interior do Estado. Segundo relatório do governo Alckmin (PSDB), há casos em que as mulheres são submetidas ao uso de equipamentos improvisados, como lanternas compradas de camelôs, para a coleta de provas ginecológicas.

O sofrimento dessas mulheres vai se estender durante as investigações. Segundo especialistas, a lógica mais usada nessa fase, que é a de procurar reconstituir um episódio, costuma mudar quando o crime é um estupro.

O que é feito, mostra estudo da socióloga Daniella Coulouris, é a reconstrução social dos indivíduos -o que tem peso decisivo na absolvição ou condenação dos acusados. Em uma de suas pesquisas, a especialista analisou 83 processos. Em apenas dezenove, houve condenação aos agressores.

A VIA-CRÚCIS DA VÍTIMA DE ESTUPRO

Falta de estrutura, mau atendimento e impunidade estão no caminho de quem quer denunciar o crime

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