25 de julho comemoração do Mês da Mulher Negra Latino -Americana e Caribenha e de Tereza de Benguela : a clínica do testemunho

FONTEPor Eliane Rosa de Melo, enviado para o Portal Geledés
Arquivo Pessoal

Como você se percebeu Negra? Você falou que era Negra ou te gritaram Negra? Na construção da sua identidade racial você se sente escutada? Você se sente invisível nas suas relações afetivas, se sente acolhida? Sente-se com espaço para expressar seus sentimentos, suas afetações? As pessoas com quem se relaciona lhe reconhecem no que tange espaço para você ser? Ou somente percebem como objeto de subalternização ou sexual? Você se sente representada nos movimentos sociais? E como percebe seu laço com o Social? Esta e muitas perguntas a partir do vídeo impactante da poeta Victoria Santa Cruz sobre a descoberta de Ser através do outro/ Outros me convocam uma para uma escuta como “Testemunho, Instrumento” da dor e reverberações do racismo estrutural, fenômeno social com característica de negação no nosso país, que apesar do inconsciente não ser racista, machista e misógino, mas é atravessado pela reprodução destas construções da estrutura social e ressonantes do laço no sujeito (inconsciente). 

Quando menciono “Testemunho”, “Instrumento” quero dizer que empresto meus ouvidos, gestos, atenção, para escutar os sofrimentos causados a nós Mulheridades Negras pelo sofrimento psíquico causado pelo racismo estrutural, mas este testemunho conforme aconteceu com o escritor James Baldwin (Documentário- Eu não sou seu Negro não) que empresta seu corpo para documentar a construção do movimento negro norte americano. Ocorreu de maneira ativa, a partir da sua construção de identidade de um homem negro gay e está para além de só documentar. É atuar, é transmitir com fazemos na prática do movimento do analista para além do Setting. Dentro e fora dos settings, seja no individual (singular) ou nos grupos (coletivos), o caminhar da minha clínica baseia-se na escuta majoritariamente de Mulheres Negras não por opção, mas por ser procurada como identificação de pares, para acesso ao que é mais nos negado: o cuidado com a saúde mental. Porque senão como dizia minha avó (Antônia do Prado da Rosa): “Mente doente, corpo padece”. Nestes relatos, reflexos do atravessamento do racismo estrutural, ecoam as seguintes falas: “Eu estou cansada de lutar. Eu não aguento mais… Eu nasci e fui forjada na guerra… Por que eu só tenho que trabalhar e carregar a sociedade? Detesto que me chamem de guerreira e me cobram para ser forte o tempo todo… Não sou reconhecida pelas parcerias amorosas, somente como objeto de apoio ou flerte… Estou mais sobrecarregada nesta pandemia… Não aguento mais. Por que não posso descansar e ser apoiada? Na escola sofri muito, falaram que eu era feia, cabelo duro, nariz de macaco… Não sou escutada dentro da minha família e muito menos fora…” Estas e muitas outras falas são escutas do que sugerimos como a procura de uma construção de identidade, que são marcadas pelo racismo, mas que apesar de sermos “Candaces, Terezas de Benguelas e Marielles (Guerreiras, Rainhas e Militantes). Somos mulheres singulares, compostas de potencialidades, mas também de dores, de mazelas que necessitam de atenção, cuidado, lugar para sermos quem desejamos ser somadas à luta coletiva. Porque nosso dia é todo o dia. 

 

O Cuide-Ser é espaço coletiva de Saúde Mental é composto por profissionais diversos no que tange sua identidade pessoal e de atuação, pautada numa perspectiva decolonial, feminista, inclusiva e antirracista. Acreditamos na diferença como fator singular para soma nas lutas coletivas. E estamos abertos a Todes. 

Cuide-Ser e a Escuta das Mulheridades Negras na escriviência da nossa querida integrante e colega- Eliane Rosa de Melo – Psicóloga e Psicanalista -CRP 06/147873.Segue link do Cuide-Ser: INÍCIO | Cuide-Ser (cuideserpsicologia.com.br).

 

Referências Bibliográficas

  • Abdias do Nascimento. (1914-2011). O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. 1ª edição – São Paulo: Perspectiva ,2016.
  • Achille Mbembe. (2018). Necropolíca. 3ª edição- São Paulo: N-1 Edições,2018. 
  • Alex Ras e Flavia Rios. (2010). Lélia Gonzalez: retratos do Brasil. 1ª edição – São Paulo: Selo Negro ,2010. 
  • Ana Paula Musa Braga (2015). Os muitos nomes de Silvana: contribuições clínico políticas da psicanálise sobre mulheres negras: Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da USP para título de Doutora. São Paulo: USP ,2015 em braga_corrigida.pdf (usp.br) pesquisado em 17/01/2021.
  • Bell Hooks. (2020). Memórias da Plantação: episódios de racismo codiano.1ª edição- São Paulo:Cobogó,2020. 
  • Carolina Maria de Jesus. (1914-1977). Quarto de despejo: diário de um favelada. 10ª edição – São Paulo: Ática,2019. 
  • Eu, mulher, psicóloga e negra. Psicol. cienc. prof. [online]. 1984, vol.4, n.2 [citado 2021-01-17], pp.10-15. Disponível em: Eu, mulher, psicóloga e negra (scielo.br),pesquisado em 17/01/2021.
  • Frantz Fanon. (1925-1961). Pele negra, máscaras brancas. 1ª edição – Salvador: EDUFBA,2018.
  • Maria Lúcia da Silva, Márcio Farias, Maria Cristina Ocariz e Augusto Sel Neto. (2018). Violência e sociedade; o racismo como estruturante da sociedade e da subjetividade do povo brasileiro.1ª edição-São Paulo :Escuta,2018. 
  • Neusa Santos Souza (1938-2008). Tornar-se Negro.2ª edição- São Paulo:Graal,1990. 
  • Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia da Silva, Cristiane Curi Abud (2017). O racismo e o negro no Brasil: questões para a psicanálise.1ª edição-São Paulo: Perspectiva, 2017. 
  • Sojourner Truth e Jaqueline Gomes de Jesus (1797-1883). Eu não sou uma mulher? E outros discursos. 1ª edição – Rio de Janeiro: Nandyala,2019.
  • Virgínia Leone Bicudo e Marcos Chor Maio. (2010). Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. 1ª edição – São Paulo: Editora Sociologia e Políca,2010.

 

Nota: O texto e as referências bibliográficas foram escritos de forma gendrada e em primeira pessoa, por se tratar de um testemunho. Escrita de forma a evidenciar a identidade de cada autor/autora. Fora das normas acadêmicas: Cisgêneras, brancas, heteras e elitistas.

 

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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