O vírus chegou mas a água do morro ainda NÃO

Os desafios que as comunidades periféricas vêm passando nos últimos tempos ressalta as desigualdades sociais e econômicas de forma nítida. Falar do COVID 19 nas periferias tem sido um desafio que os coletivos e as organizações sem fins lucrativos resolveram encarar. Uma vez que pensar no povo e no vírus é pensar em combater a fome, e rápido, pois a fome não espera a burocracia do poder público.  

O número de pessoas contagiadas pelo vírus no Território do Bem só cresce. O Território do Bem se localiza em nove bairros em vulnerabilidade social e economia da capital do Espírito Santo. Os ativistas sociais preocupados com mais de 31,5 mil habitantes buscam, todos os dias, um território humanizado e alimentado.

As dificuldades apresentadas por moradores/as das periferias se perpetuam em todas as comunidades periféricas do Brasil, é sempre o mesmo relato: “não temos água, não tenho alimentação, o gel é caro, não tenho internet, não tenho TV e não posso ficar sem trabalhar meus filhos tem fome”, para muitos isso é um absurdo, mais para outros isso é a realidade. Vivemos no mesmo país, muitas vezes no mesmo bairro e não notamos que a rua de trás da nossa está sem os acessos que conseguimos ter.

O Brasil é um país desigual, onde as pessoas em vulnerabilidade, que na maioria estão nas periferias e são pretas movem a economia, mas não fazem parte do benefício que é gerado por essa economia. O que essas famílias recebem são migalhas de uma pátria que esqueceu dos seus filhos que moram nos morros.

Entender essa realidade neste momento de crise, é um dos principais fatores para entendermos que a vida viva, é uma vida alimentada e cuidada, a política de assistência e habitação nunca foi tão necessária em um país que o número de pessoas em condições de extrema pobreza só cresce. Como os coletivos vão ensinar higiene de mãos para uma população que não tem acesso a água encanada?  Como falar de cuidados básicos de saúde se não há nesses espaços condições mínimas de sobrevivência? Como pensar em estudar em casa se muito morador não tem acesso a internet e muito menos um local adequado para estudar? Como pensar em isolamento social se moramos em uma casa pequena com mais de dez pessoas? Como pensar em isolamento se temos que alimentar nossas famílias? Dá para lavar as mãos sem água?

Acredito que nesse momento em que o tempo é inimigo e a burocracia impede a rapidez é preciso que pessoas ajudem pessoas e isso se dará somente com a coletividade, o aquilombamento, a empatia, a construção de redes e a solidariedade, pois assim conseguiremos diminuir o número de violações que gritam nos becos e nas vielas das nossas comunidades. 

 

*Crislayne Zeferina

Jovem, Negra, Periférica, Pedagoga social, Moradora do Território do Bem, Coordenadora do Fórum Estadual de Juventude Negra, Presidenta do Conselho Municipal de Juventude de Vitória – COMJUV, Organizadora do Fórum de Juventude do Território do Bem, Coordenadora Nacional de Juventude da Nova Frente Negra Brasileira – NFNB, Representante da Rede Nacional de Juventude Negra no ES – RENAJUNE, Líder e Articuladora da Saúde da Pastoral da Criança do Bairro da Penha, membra do coletivo Crias daqui e madrinha do coletivo Bonde da Praça.

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** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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