Abolição da escravatura: passados 134 anos, negros ainda lutam por direitos e protagonismo no Brasil

Enviado por / FontePor Brenda Ortiz, do G1

Lei Aurea, assinada em 13 de maio de 1888, considerou livres aproximadamente 700 mil escravos. Atualmente, negros são 54% da população do país e desigualdades continuam.

De acordo com o último censo do IBGE, 54% da população brasileira é composta por negros. Em Brasília, segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), realizada pela Companhia de Planejamento (Codeplan), 57,4% pessoas se declaram negras.

No entanto, segundo o líder do Movimento Negro no DF, Marivaldo Pereira, faltam programas e políticas públicas que atendam as necessidades dos mais pobres.

“Aqui no DF não tem mais órgão responsável pela política de igualdade racial e nenhum investimento nesse tipo de política. A pauta deixou de ter relevância”, diz Marivaldo Pereira.

O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão, e o negro liberto não recebeu nenhum tipo de auxílio do governo para que pudesse sobreviver . Pesquisadores afirmam que, com a falta de oportunidades e o racismo, o quadro de desigualdade perpetuou-se no país e tem reflexos até os dias atuais.

Com a criação do Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, a data da abolição acabou ofuscada, uma vez que ela não traduz, segundo os movimentos sociais, o real contexto da história.

Mas, de acordo com a professora do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), Ana Flávia Magalhães Pinto, “o 13 de maio também foi um dia de gente negra, embora os encaminhamentos dados pelas elites ao fim da escravidão não tenham sido pautados pelo respeito à cidadania negra.”

População negra, racismo e diferenças sociais

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, entre a população carcerária, os negros somam 66,7% dos presos no país. Para a pesquisadora Amanda Pimentel, existem condições que levam os negros a serem mais presos do que os não negros.

“As prisões dos negros acontecem em razão das condições sociais, não apenas das condições de pobreza, mas das dificuldades de acesso aos direitos e a vivência em territórios de vulnerabilidade, que fazem com que essas pessoas sejam mais cooptadas pelas organizações criminosas e o mundo do crime”, diz Amanda Pimentel.

Mas não é só isso. Conforme a pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há também um tratamento desigual dentro do sistema judiciário. “Réus negros sempre dependem mais de órgãos como a Defensoria Pública, sempre têm números muito menores de testemunhas. Já os brancos não dependem tanto da Defensoria, conseguem apresentar mais advogados, têm mais testemunhas”, diz ela.

“Há um tratamento diferenciado no sistema de justiça. Os réus negros têm muito menos condições que os réus brancos”, aponta a pesquisadora.

De acordo com o advogado e líder do Movimento Negro no DF, Marivaldo Pereira, a luta contra o racismo é constante, mas parece estar regredindo. “Agora, a gente vive um momento em que o racismo é enaltecido, às vezes, me parece até valorizado”.

Para a professora do Departamento de História da UnB, Ana Flávia Magalhães Pinto, mais do resquício da escravidão, as desigualdades raciais que marcam a sociedade brasileira são “expressão do racismo”.

“Racismo este que não se inicia no 14 de maio de 1888 e nem com a chegada das teorias racialistas no Brasil, sobretudo depois da década de 1870. A distância entre a gente negra e a imagem do cidadão brasileiro tem sido construída ao longo desses 200 anos de Brasil independente”, diz a professora.

Ana Flávia diz que isso explica até mesmo porque pouco se fala que, desde o início do século 19, o Brasil já tinha a maior população de indivíduos negros libertos e livres das Américas. “Pensamos que todo mundo chegou como escravo ao 13 de maio porque temos profunda dificuldade em reconhecer homens e mulheres negras como sujeitos de direitos e cidadania”.

Liberdade e lutas

De acordo com a professora da UnB, a promessa da liberdade, da igualdade e da cidadania formal foi afirmada e reafirmada em todas as Constituições Brasileiras, desde a abolição da escravatura. “Porém, o cumprimento de tudo isso está longe de ser algo palpável na realidade cotidiana”, diz Ana Flávia.

“Os dados de mortes violentas praticadas por agentes do Estado qualificam um cenário de genocídio. A indiferença perante tamanha gravidade não permite dizer que o Brasil seja uma sociedade antirracista de fato, como muitos ainda insistem em dizer”.

Para Marivaldo Pereira, o cenário de diferenças sociais entre negros e brancos pode ser transformado com uma maior participação negra na política. “Estamos nos preparando para influenciar no pleito eleitoral. Porque a gente sabe que, se não fizermos a disputa de poder, se nós não ocuparmos os espaços de tomada de decisão na sociedade, nós não vamos mudar esse cenário”, afirma.

“É essencial mudar e virar essa triste página da história do país. O lado mais triste dessa história, quem arca com ele, é a população negra. É a população negra que mais sofre com a pobreza e com a explosão da letalidade policial. É sempre a população negra que está na ponta. A bala perdida sempre encontra um corpo negro. Isso tem que parar”, diz o ativista.

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