O movimento abolicionista é exemplo de nossa resistência aconteceu e ainda acontece durante todo o nosso período na diáspora.
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O 13 de Maio é sempre lembrado com muita suspeita por muitos de nós, pessoas engajadas na luta anti racista no Brasil. Por ser uma data que, apesar de marcar oficialmente o fim da escravatura no Brasil, em 1888, é também uma data que está aliada a um discurso ainda corrente da democracia racial. Uma data, portanto, que tem sido historicamente ligada ao protagonismo branco — no caso da Princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea — para o fim da escravidão.
Acredito ser importante lembrarmos que a resistência negra também esteve presente de forma protagonista na luta pelo abolicionismo
Os movimentos negros durante todo o século XX lutaram ferrenhamente para que houvesse um deslocamento semântico da importância que essa data teria para nós, negros, como memória de liberdade e luta contra racismo, para uma data que refletisse isso. Nessa esteira, a data de 20 de Novembro — aniversário de morte de Zumbi dos Palmares, tido como um dos maiores líderes quilombolas da História — ganhou protagonismo de representação e se tornou nossa data oficial do Dia da Consciência Negra.
Essa data do 20 de Novembro é fundamentalmente importante para estabelecimento da memória e do legado negro no Brasil, para que possa existir uma herança de nós, sobre nós e feita por nós: da nossa resistência frente à realidade de 4 séculos de exploração escravista e desumanização. E que, apesar da abolição, não foram plenamente resolvidas com amanhecer das Repúblicas, que trouxeram em seu pacote e plano de desenvolvimento histórico, a subcidadania, o racismo institucional e as práticas diárias e constantes de violências, todas estruturantes de um genocídio epistemológico, cultural, social e físico do contingente negro — essa pequena parcela de 52% da população brasileira.
Tudo isso é muito importante, mas não podemos esquecer que a luta abolicionista foi nossa também.
Porém, acredito ser importante lembrarmos que a resistência negra também esteve presente de forma protagonista na luta pelo abolicionismo. Apesar de pesquisas acadêmicas demonstrarem com sofisticada reconstituição histórica isso, no plano do debate público e até bandeiras de luta, ainda estamos de certo modo apegados às formas de resistência vinculadas ao modelo dos quilombos do período colonial, da atividade dos movimentos negros e lideranças que marcaram século XX ou ainda das manifestações das culturas negras (presentes na chamada “cultura popular” — oras, sabemos de sua origem! — e nas religiões afro-brasileiras). Tudo isso é muito importante, mas não podemos esquecer que a luta abolicionista foi nossa também.
O movimento abolicionista, como bem demonstrado no último trabalho da socióloga Angela Alonso, fora o que podemos um dos primeiros movimentos sociais brasileiros. Em seu livro “Flores, Votos e Balas — O movimento abolicionista brasileiro (1868–88)”, Alonso demonstra como movimento abolicionista lançou mão de diversas táticas para implementar suas pautas na ordem social e política nacionais, e obter êxito em suas demandas. Seja através da política, da cultura e das artes ou enfrentamento armado direto, a luta do movimento abolicionista por cerca de 20 anos construiu um cenário político favorável para que em 1888 a Lei Áurea, através de muita pressão, pudesse existir.
O movimento abolicionista é exemplo de nossa resistência aconteceu e ainda acontece durante todo o nosso período na diáspora.
Aliás, e gosto particularmente desse detalhe quando lemos nos livros: quando se observa as negociações nos gabinetes políticos e a reação da imprensa abolicionista aos seus contrários, quase em nada (com boa dose de crítica para evitarmos anacronismos desnecessários) perdemos para o que vemos na política atual: negociação atrás de negociação até mesmos charges. Vale a pena ler esse trabalho.
O ponto essencial é que todo esse processo e toda existência do movimento abolicionista tivera entre suas lideranças diversas pessoas negras, em especial três figuras: Luiz Gama, André Rebouças e José do Patrocínio. Diversos negros, em grande livres ou ex-escravizados, estiveram empenhados na campanha abolicionista, no meio dessas táticas das flores, votos e balas, e portanto não devemos desconsiderar isso.
O movimento abolicionista é exemplo de nossa resistência aconteceu e ainda acontece durante todo o nosso período na diáspora. Desde os quilombos, passando pelo movimento abolicionista, as religiões afro-brasileiras, e os movimentos negros no combate contra racismo e genocídio do povo negro, nossa existência tem significado luta e resistência. E é por essa memória que podemos dizer, com crítica combativa ao apagamento histórico do negro, que o 13 de Maio também é nosso.
Toda memória sobre a nossa resistência deve ser lembrada, disseminada e celebrada, em enfrentamento a um racismo sistêmico sistêmico que torna invisível o protagonismo negro na história em todas as esferas e diminui nossa importância nos marcos da experiência histórica.
Seguimos em luta.