“A música é um instrumento de mudança dentro da gente”, diz Mestre Ivamar

FONTEPor Eduardo Silva, de ECOA
O arte-educador Ivamar dos Santos, conhecido como Mestre Ivamar, no documentário "Sinfonias Negras" (Foto: UOL)

Unido pelos quilombos do Amapá, no Norte do Brasil, e pela periferia da zona leste de São Paulo, na capital paulista, o pesquisador e arte-educador Mestre Ivamar dos Santos, 63, conta sua história de vida e trajetória dentro do movimento negro, sempre acompanhado pelo toque de tambores.

O título de mestre foi adotado carinhosamente para representar uma pessoa mais velha que repassa aprendizados e experiências acumuladas de tempos em tempos – a cada dez anos, segundo ele. “O ‘mestre’ nasce das minhas contações de histórias. São histórias dos quilombos e da minha trajetória na África”, comenta.

Nascido na Penha, bairro da zona leste paulistana, Ivamar vem de uma família de ativistas e é atuante no movimento negro desde os anos 1970. Na década seguinte, morou em Angola durante quatro anos e participou da Conferência de Durban, na África do Sul, promovida pela Organização das Nações Unidas contra o racismo e a xenofobia.

Já de volta ao Brasil, passou a trabalhar com quilombos pelo país e se mudou para a cidade de Macapá, onde viveu por mais 20 anos. Desde então, o trabalho de ensino da história da África, da música e da cultura dos quilombos e marajás do Amapá faz parte de sua vida.

“A ancestralidade e a musicalidade são questões muito fortes. Ter a aproximação com o toque do tambor e o conhecimento do que a musicalidade negra representa para mim fez com que eu me incorporasse e me entendesse politicamente”, relata Ivamar.

A musicalidade que atravessa gerações é o tema do documentário “Sinfonias Negras”, que estreou na terça-feira (19) no UOL e tem Mestre Ivamar como protagonista, ao lado da cantora MC Dricka, 23, conhecida como a “rainha dos fluxos”. O encontro entre a jovem e o mais velho é conectado pela ancestralidade do tambor.

“A música é um instrumento de mudança dentro da gente. E nada mais importante do que discutir a musicalidade na ancestralidade e comparar com o contemporâneo periférico de hoje. É algo que me arrepia só de pensar”, diz Ivamar.

Os dois artistas discorrem sobre a importância dos tambores, tanto para os quilombos quanto para os beats do funk, para o samba, o reggae e o hip hop. Também participam do documentário a multi-instrumentista Bia Ferreira e o compositor Russo Passapusso, do BaianaSystem.

Símbolo de resistência e ancestralidade

Apaixonado pela Amazônia negra, Mestre Ivamar criou, em 2016, o coletivo Amazonizando – que atualmente conta com cerca de 60 integrantes, envolvidos direta ou indiretamente. O grupo realiza trabalhos sobre música, ancestralidade e empreendedorismo negro, tanto no Amapá quanto em São Paulo. Todos gratuitos e voltados para todas as idades.

“O Amazonizando busca lembrar que o empreendedorismo afro existe há muito tempo dentro dos quilombos, então fortalecemos isso ao ensinar sobre a dança e o toque, a construção e a história dos tambores”, explica. “Também é uma forma de garantir toda a tradição que o marabaixo [manifestação cultural afroamapaense] traz”.

Para ele, o toque do tambor representa, historicamente, a resistência de povos negros e a religiosidade de matriz africana. Assim sendo, é importante respeitar essa história dentro da musicalidade. “Então é de onde vem esse tambor, o que representa, para mim, estar dentro do bojo e o respeito que eu tenho com esse instrumento”, conta.

“Quando converso com a MC Dricka, percebo nela uma sede de saber. Ela quer aprender, quer conhecer, quer estar próxima e fazer parte da história. Ao mesmo tempo, vejo uma juventude nas periferias com um acesso [tecnológico] que não imaginávamos ter antes”, diz Mestre Ivamar.

“A musicalidade contemporânea periférica é uma mudança na cultura negra, acompanhada com todas as mudanças sociais que estão acontecendo no momento. E senti que a MC Dricka e a Bia Ferreira [cantora que faz participação especial no documentário] têm essa sede de buscar informações e se apropriar desse conhecimento para poder repassá-lo”, finaliza.

A produção do documentário “Sinfonias Negras” é idealizada e realizada pela A Visionária Lab, em parceria com Ecoa e MOV.

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