“Abolição no Parlamento, 1823/1888 – 65 anos de lutas” é relançado com rigorosa revisão através de acordo entre a SEPPIR e o Senado
O 13 de maio de 1888 ficou marcado na História do Brasil como o dia em que foi abolida a escravidão no país. Simplificado assim, o processo que culminou nesta data leva a ignorar as lutas populares e toda uma movimentação na sociedade brasileira, entre prós e contra o fim da escravatura, inclusive no Parlamento. O livro Abolição no Parlamento, 1823/1888 – 65 anos de lutas resgata, através de volumosa documentação histórica, os embates ocorridos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal até a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel. Sua leitura é mais do que oportuna para situar os temas que, após 125 anos, ainda mobilizam o Congresso Nacional. A regulamentação da chamada PEC das Domésticas e o debate sobre a PEC do Trabalho Escravo indicam que a abolição é um projeto ainda inconcluso.
Relançado depois de rigorosa revisão, a partir de um acordo de cooperação técnica entre o Senado e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) no âmbito da campanha Igualdade Racial é Pra Valer, o livro constitui uma importante compilação dos documentos principais do Arquivo do Senado Federal sobre a abolição. Com a proximidade da data, surge uma boa oportunidade de repensar a maneira como o período da escravidão foi tratado pela historiografia oficial. Alguns documentos, cujos originais estão depositados no Arquivo da Casa legislativa, são verdadeiras preciosidades da literatura e da memória sobre o fato abolicionista.
“Todas as leis sobre emancipação, como o tratado com a Inglaterra; Lei de Interrupção do Tráfico de 1831, Lei Eusébio de Queiroz; Lei do Ventre Livre, Lei dos Sexagenários e a Lei Áurea (a maneira como repercute a prática parlamentar) são listadas, a acrescentar que elas estão acompanhadas de parte dos processados, ou seja, a tramitação da lei, com pareceres, emendas e debates parlamentares, as peças principais dos processos legislativos. Também os projetos não aprovados, os que não se converteram em lei, são listados, permitindo entrever a conjuntura da longa abolição da escravidão no Brasil”, explica o consultor legislativo do Senado Federal, Marcos Magalhães.
Manifestações
A Abolição no Parlamento contempla os debates e discursos da grande batalha parlamentar do abolicionismo, com manifestações de José Bonifácio, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Eusébio de Queiroz, Visconde do Rio Branco, Luiz Gama, Castro Alves e vários outros parlamentares e polemistas. Através desta notável documentação é possível se esboçar um paralelo histórico com os debates recentes sobre a promoção da igualdade racial, especialmente no que se refere aos diferentes interesses e correntes de pensamento representados no Parlamento.
O processo de abolição no Brasil não foi abrupto. Ao contrário, aconteceu gradualmente, por meio de fases que estabeleciam restrições no ordenamento jurídico cada vez maiores à escravidão até a abolição. “A emancipação gradual e parcelada naturalmente reforçou o Parlamento como o lócus do concerto que permitiu o estabelecimento de consensos provisórios, traduzidos visivelmente nas leis emancipacionistas, porém repercutidos nos debates parlamentares e na tramitação de proposições legislativas sobre a questão”, afirma Magalhães.
Para o consultor, isto demonstra que o Parlamento tem sido determinante nas decisões relativas à população afrodescendente brasileira. “Esse parece ser o paralelo mais relevante com a situação atual, pois frequentemente as vitórias da população negra traduzem-se em diplomas legislativos, a exemplo do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei de Cotas, para ficar apenas nas leis mais conhecidas”, diz.
O período aparentemente mais delicado para o debate parlamentar é exatamente o que transcorre entre 1831 e a interrupção definitiva do tráfico de escravos nos mares, por pressão da Inglaterra, com a Lei Eusébio de Queiroz (1850). “O Brasil conviveu com a situação contraditória de dispor de ordenamento jurídico que criminalizava o tráfico (dos agentes aos receptores) e de uma sociedade que não só tolerava, porém racionalizava, na oratória parlamentar, a aceitação dos “africanos livres” ( os que ingressavam ilegalmente no País)”, destaca.
Marcos Magalhães salienta que os espaços de manifestação do setor público no século XIX eram restritos. Mesmo no Parlamento, era comum que os debates sobre a escravidão, quando centravam em questões polêmicas postas a voto, acontecessem com solicitação de sigilo. “Nesse contexto, o papel da imprensa foi fantástico, pois reverberou posições sigilosas, extremou as paixões populares com denúncias de casos grotescos da escravidão, provocou a sensibilidade dos brasileiros à violência e exploração, esgarçou os argumentos dos discursos justificatórios da escravidão”, destaca.
No volume II de A Abolição no Parlamento, no capítulo dedicado ao ano de 1888, entre outros documentos preciosos constam a fala da Princesa Isabel na abertura da terceira sessão da 20ª Legislatura da Assembléia Geral (quando ela afirma que a “extinção do elemento servil é uma aspiração nacional”); a cronologia da tramitação legislativa do projeto de lei que se transforma na Lei nº 3.353 de 13 de maio de 1888; e os principais discursos em torno do assunto, de figuras históricas como Joaquim Nabuco e do Barão de Cotegipe que, em 19 de junho, apresenta o projeto “C”, autorizando o governo a “emitir apólices da dívida pública para indenização dos ex-proprietários de escravos” – uma das últimas, mas não a única, tentativa de beneficiar os escravocratas.
Fonte: Seppir