Aqui tem preto?

Racismo e elitismo são filhos da mesma mãe, casados com os seus, nascidos no preconceito e com passaporte bem carimbado

As barreiras raciais e as sociais andam intrinsecamente juntas. Além da rejeição pela cor, a origem humilde —ou até mesmo de classe média— pode inviabilizar a abertura de portas no mercado de trabalho e na vida social.

Isso é perceptível, principalmente, em espaços em que as pessoas se diferenciam por “é filho de quem? Casada com quem? Nasceu onde? Mora onde? Conhece quantos países? Já foi à Europa?”.

Toda fala tem seu contexto, é bem verdade. Mas, no caso desses questionamentos, já parou para observar como envolvem aspectos sociais e de classe que viram, sem coincidência, razão para anular as pessoas?

Não raro, a “resposta errada” para essas perguntas prejudica quem é negro. Não é uma questão de coincidência, além de ser muito injusto.

É que racismo e elitismo são filhos da mesma mãe, casados com os seus, nascidos no preconceito e com passaporte bem carimbado.

Está cada vez mais assim, e talvez a exposição da vida —que não existe— nas redes sociais tenha participação fundamental nisso. Falsos sorrisos, falsas amizades, falsos elogios, falsas discussões.

A população negra enfrenta dificuldades para responder “a contento” tantos pré-requisitos do ideário da branquitude. Não é seleção, é método de exclusão para justificar por que a oportunidade ou atenção não será dada a um profissional negro ou negra.

E, convenhamos, não são essas perguntas que formam o caráter ou demonstram a competência de ninguém. Até quem pergunta sabe, para a surpresa de ninguém.

Aquela fórmula mágica, de que por mérito tudo se resolve, aqui cai por terra. Meritocracia?! Para quem? Ela só é usada quando é ruim para os negros. Parece não ter saída, a não ser aceitar ou resistir.

Não vejo opção, a não ser a segunda, para quem já entendeu o tamanho da própria responsabilidade que é viver a partir de estratégias que ajudem a manter corpo e mente saudáveis, sem aceitar que isso seja normal, porque não é.

Além do negro nunca poder virar branco, já que nem mesmo nascer de novo seria garantia para isso; o abismo social, mesmo com muito trabalho, também pode ser intransponível.

Ou seja, estamos diante da sociedade de etiquetados. Na lógica da pessoa-produto, vale o que diz o rótulo, não o conteúdo. Nem todas as pessoas vão para a vitrine e ficam na disputa para sair da caixa. Por outro lado, nem todos que chegam a algum nível de exposição, de fato, são escolhidos.

O mercado organiza as prateleiras de acordo com a cor, alguns mais embaixo, onde os olhos dificilmente alcançam.

Enquanto passamos pelas gôndolas, vemos tantos rótulos, e também produtos que não prestam, em liquidação. Eles estão sempre lá, porque são iguais aos demais, tirando conscientemente o espaço daqueles que fazem diferença.

Uma hora alguém pergunta: “Tem preto?”. E comprova que há poucos. O mercado diz que irá melhorar, o tempo passa até que, novamente, alguém olhe e confirme: “Tem preto?”. Perguntar incomoda, e mobiliza, então vamos perguntar mais.

Permanecer na vitrine, sob os olhos de quem decide excluir ou não, é mesmo um ato de resistência.


Basília Rodrigues – Jornalista, é apresentadora, analista de política da CNN Brasil e graduanda em direito

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