Ayéola Moore e a mulher negra que move o mundo

De acordo com dados do Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil, a população brasileira em 2009 era de 191 milhões de pessoas, sendo 50 milhões ou um quarto de mulheres negras. O levantamento, produzido em parceria com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e a SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) apontou contudo que ainda existem diferenças entre o acesso à educação entre mulheres e homens negros e mulheres negras e brancas, entre outras coisas.

Por  Kauê Vieira, do Afreaka

Mesmo com as disparidades existentes, muito se avançou desde o início dos anos 2000. Atualmente são diversos os exemplos de mulheres negras falando por si e desconstruindo estereótipos, o machismo e o racismo que correm nas veias do Brasil. Como diria a música Travessia, cantada por Milton Nascimento: “solto a voz nas estradas, já não quero parar”. Não querem e não podem. Um destes casos de mulheres determinadas em seguir em frente é o de Ayéola Moore. Nascida em Guadalupe, país com uma grande população negra e ex-colônia da França no Caribe, Ayéola Moore interrompeu seus estudos de direito na França, voltou dançarina por vocação e se tornou pintora por consequência da vida.

Radicada na Bahia há mais de 10 anos ao lado do marido, o escritor cubano Carlos Moore, Ayéola recebeu o Afreaka em sua casa na capital Salvador. Durante mais de uma hora conversou sobre sua vida como mulher negra, suas impressões acerca da questão racial no Brasil e também sobre a mais nova expressão artística, a pintura, que rendeu inclusive sua primeira mostra individual no Museu Afro-Brasileiro de Salvador.

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Mulher, negra e caribenha, a pintora Ayéola Moore faz questão de afirmar sua identidade e de oferecer uma visão crítica do machismo e racismo que imperam há séculos no Brasil. (Foto: Divulgação)

Mulher, a Força que Move o Mundo é a transformação em arte de suas impressões e anseios sobre a vida das mulheres negras no mundo. Com 24 telas, a mostra leva o público para um passeio em diferentes questões propostas por Ayéola. Por meio de uma linha, a artista percorre um caminho com quadros que tratam de temas como a objetificação do corpo negro feminino, da vitimação e do empoderamento.

“Essa é uma exposição temática. Começa primeiro pela objetificação da mulher, depois vai para o empoderamento da mulher ou seja, quando ela se dá conta. Ela diz basta. Aliás, esse quadro é muito forte, pois se trata de uma agressão mesmo. É um quadro sobre agressão verbal sofrida pela mulher, agressão física sofrida pela mulher e a objetificação da mulher também. Ela está saturada de tudo que está se passando: o racismo, a agressão, a violação, ela diz basta”, explica.

Estreando no circuito expositivo, Ayéola conta que nasceu para dançar e que a pintura foi a consequência de um chamado interno. Pintora autodidata, a artista impressiona o público com seus quadros todos feitos com cores vibrantes e curvas que parecem seguir os passos de uma dança. Suas obras prendem, perturbam e instigam os pensamentos. Sobre o assunto, Ayéola Moore conta que começou sua relação com a tinta e o pincel tarde, aos 53 anos.  Tudo em função de um conselho do amigo e ativista pelos direitos dos negros, Abdias do Nascimento, falecido em 2011.

“Eu nasci dançando, mas buscava uma coisa dentro de mim. Até que meu velho amigo Abdias do Nascimento conversou comigo sobre pintura. Eu havia dito a ele que iria pintar e ele falou, Ayéola, você pode pintar, você quer pintar? Pinte! É a primeira vez que estou fazendo uma exposição, a primeira vez que as pessoas fora do meu circuito de amigos vão descobrir que eu sou pintora. Eu comecei aos 53 anos. Faz só 13 anos que estou pintando. Eu trabalhei por isso, não sou dotada.”

Mulher, negra e caribenha, a pintora faz questão de afirmar sua identidade e de oferecer uma visão crítica do machismo e racismo que imperam há séculos no Brasil. Atenta aos direitos das mulheres, em especial das negras, Ayéola Moore enfatiza a importância de manter a ligação com a ancestralidade e de estar consciente do que se é.

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Mulher-Objeto-Mulher – Ayéola Moore. (Foto: Divulgação)

 

“Sou muito atenta aos direitos das mulheres, especialmente ao das mulheres negras. Eu sou uma mulher negra. Além de ser negra, eu descendo de mulheres negras. Pra mim, independentemente do tom da pele, o importante é essa consciência”, ressalta.

Com uma visão otimista, a artista diz acreditar que as coisas estão evoluindo mundo afora e acredita que as mulheres negras estão trilhando um caminho sem volta. Com brilho nos olhos se diz apaixonada pela representatividade da Marcha  das Mulheres Negras, realizada ano passado em Brasília.

“Quando vi estas jovens que fizeram esta marcha em Brasilia, fiquei encantada. Eu me disse, ‘Meu Deus, sem apoio político, sem nada. Apenas mulheres negras!’.  Aqui no Brasil, são umas 102 milhões de MULHERES, das quais algo como 51% delas são mulheres negras. Tem algo que está acontecendo no mundo inteiro. As mulheres negras estão se empoderando. Nos Estados Unidos, você viu o vídeo que fez Beyoncé? Ela está desafiando, tomando uma posição radical. Você pode imaginar isso? É um posicionamento extremamente importante vindo de uma mulher como ela”, enfatiza.

Primeira mulher negra e pintora com uma exposição solo no Museu Afro-brasileiro da Bahia, ela analisa que seu trabalho vai inspirar e abrir espaço para que outras mulheres também reivindiquem seus lugares de direito.

“ Tudo  o que você viu na exposição, seja se tratando da diversidade de orientação sexual, seja se tratando das desigualdades de gênero no mundo do trabalho, corresponde a uma lógica de opressão da mulher. Porem, a exposição vai contribuir para os debates em curso sobre as condições de discriminação e de opressão da mulher negra, especificamente. É assim que eu vejo essa exposição – uma outra oportunidade para se falar das mulheres negras. E isso tem um potencial transformador. Como você o sabe, a pintura é um mundo dominado também pelo masculino. Aqui mesmo na Bahia, eu conheço muito poucas pinturas negras. Quer dizer, é muito importante incentivar as mulheres negras a utilizarem a tela e a tinta para se expressar,  também.  Assim, se formaria uma corrente – uma pessoa que incentiva a outra, a outra que incentiva a alguém mais. É uma maneira de conversar entre nos. É assim como se faz na dança – uma dançarina é que incentiva a outra pessoa a dançar.  E o hip hop é a linguagem mas característica dessa forma de conversar, pois as palavras viram letras e o corpo e os gestos, são que escrevem as letras,” explica.

Depois de encerrar a temporada em Salvador, no final do mês de abril, a exposição  Mulher, a Força que Move o Mundo vai percorrer varias capitais, incluindo Rio de Janeiro e São Paulo. No estado paulista ela terá também uma roda de conversa com trocas de experiências entre mulheres negras da periferia, além de um workshop de pintura e dança ministrada por Ayéola Moore.

Para saber mais: http://www.ayeolamoore.com/pt/index.php

 

Museu Afro-Brasileiro

Endereço: Largo do Terreiro de Jesus – Antiga Faculdade de Medicina/ Centro

Telefone: (71) 3283-5533

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