Como pôr fim ao marco temporal

Vale passar trator sobre indígenas para produzir agricultura subdesenvolvida?

FONTEFolha de São Paulo, por Thiago Amparo
Thiago Amparo é Advogado, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste) - Foto: Marcelo Hallit

A tese do marco temporal, aprovada na Câmara nesta terça-feira (30), é ancorada em quatro pilares: genocídio, desinformação, atraso e inconstitucionalidade. Dos dois últimos, deve-se dizer que é em grande medida culpa do Supremo Tribunal Federal que uma tese inconstitucional tenha ganhado sobrevida, apenas porque a análise do tema fora interrompida por um pedido de vista em 2021 e o resultado na corte é incerto. Se a Câmara cometeu o crime, foi o STF que preparou a cena por sua omissão.

A corte não pode se dar ao luxo de dois anos depois escusar-se de cumprir o seu mandato principal: evitar que mudanças legislativas corroam direitos constitucionais. A menção temporal a outubro de 1988 no marco serve apenas para ofuscar sua clara inconstitucionalidade, formal e substantiva, como defende parecer recente do Ministério Público Federal. A tese viola direito à consulta prévia e autodeterminação de povos indígenas, na única carta constitucional que não os tratou como menos que humanos.

Do genocídio, pode-se dizer que a intenção do marco temporal nem sequer é oculta: ao congelar direitos indígenas, ignorando a violência que retirou povos de suas terras, a tese busca sujeitar intencionalmente indígenas a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, definição legal de genocídio.

No Senado, as implicações jurídicas e internacionais desse caminho deveriam influenciar os parlamentares.

Da desinformação, pode-se dizer que a tese do marco temporal se baseia em um falso pânico entre ruralistas de que haveria muita terra indígena no país (em 7 dos 9 principais estados agrícolas, não passa de 1% do território), segundo estudo do Instituto Socioambiental. Agropecuária não precisa tomar terras indígenas: pastagem (com 22% do território) e agricultura (8%) já podem crescer com ganho de eficiência, não com sangue indígena. Ao STF e ao Senado, cabem responder se vale passar trator sobre indígenas para produzir, de forma arcaica e ineficiente, agricultura subdesenvolvida.

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