COP26: Movimento negro brasileiro denuncia racismo ambiental

FONTEPor Mariana Belmont, de Ecoa
O Scottish Event Campus, onde é realizada a COP26 (Foto: RUSSELL CHEYNE/REUTERS)

Começo dizendo, para demarcar (demarcar e titular é coisa boa demais e a gente gosta), que o movimento negro não chegou na luta e no debate ambiental hoje. Ele foi colocado de fora da agenda climática durante muito tempo. Quem sempre fez o enfrentamento nos seus territórios foram as pessoas negras e indígenas, como bem nos lembra sempre o Diosmar Filho, geógrafo, doutorando da Universidade Federal Fluminense e pesquisador da IYALETA – Pesquisa, Ciência e Humanidades.

Eu li no site do Alma Preta que é a primeira vez na história que a Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP26) terá uma presença significativa do movimento negro brasileiro, com uma expectativa de pressionar o governo brasileiro contra o desmatamento, pela titulação e demarcação de terras quilombolas e contra o racismo ambiental nas áreas urbanas e rurais.

Quando eu li essa chamada eu fiquei imaginando o tamanho do buraco que a colonização abriu para que violências desse tipo acontecessem. O movimento negro nunca nem foi pensado para compor uma comitiva brasileira de organizações da sociedade civil, não era prioridade trazer para o centro do debate 56% da população brasileira. Não me impressiona, mas me provoca a provocar.

O Movimento está em Glasgow há cinco dias fazendo agendas, se articulando com outras organizações do mundo e denunciando com faixas, entrevistas, redes sociais e falas nos poucos espaços que ainda são abertos para a sociedade expor os problemas de seus país. Para que governos locais façam o que precisa ser feito para que a população pare de morrer.

Hoje, 05/11, das 14h às 15h15 (horário de Glasgow, 11h de Brasília), o movimento negro brasileiro vai se reunir para o evento “Terra, territórios e o enfrentamento ao racismo nas lutas contra a crise climática”. Representantes de organizações do movimento na COP26 falarão sobre seu papel no debate climático e a importância dos territórios quilombolas, do campo e da cidade para um caminho com futuro melhor. O evento será transmitido pelo site do Brazil Climate Action Hub.

O evento é organizado pela Coalizão Negra por Direitos com a participação de seus representantes na COP26. O evento será mediado por Douglas Belchior, historiador e cofundador Uneafro Brasil e terá como palestrantes: Diosmar Filho, geógrafo, doutorando e mestre em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pela Universidade Federal da Bahia, respectivamente, além de pesquisador da Iyaleta – Pesquisa, Ciência e Humanidades; e Kátia Penha, coordenadora Nacional da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), moradora do território Sapê do Norte, no Espírito Santo, e graduanda em Ciências Sociais em Educação do Campo, na Universidade Federal do ES (UFES).

Olha a lista desse encontro, perceba. Não é por falta de porta-vozes que o movimento nunca esteve em grande número em eventos tão importantes como esse. É o racismo que exclui os movimentos negros das mesas de negociação e de espaços que possam denunciar a violação de direitos no Brasil.

A Coalizão Negra Por Direitos vai lançar a carta “Para controle do aquecimento do planeta – desmatamento zero: titular as terras quilombolas é desmatamento zero”. Nela, mais de 200 organizações defendem uma incidência direta contra o racismo ambiental, pela redução do aquecimento do planeta, desmatamento zero nas florestas Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga brasileira e em defesa da titulação das terras e dos territórios quilombolas também como estratégias pelo desmatamento zero. O documento na íntegra no site da Coalizão Negra por Direitos.

Segundo as organizações, “a crise climática é também humanitária” e tem impacto direto na vida das populações negras, quilombolas e dos povos indígenas. Vale relembrar que, no Brasil, a maioria populacional é negra e representa, hoje, 56% da população (IBGE, 2020).

É fundamental luta constante contra o genocídio da população negra, seja na cidade ou no campo, a defesa da terra, dos territórios e das territorialidades negras como espaços de vida ambiental e humana. Tudo isso passa também pela luta contra o racismo ambiental. “O debate fundamental de racismo ambiental ainda não encontra ampla adesão, ou é negado, pelos movimentos ambientalistas no Brasil, assim como falta racializar as políticas públicas ambientais”. Movimento ambientalistas em sua maioria liderados por pessoas brancas, vale lembrar.

Estão lá reforçando as denúncias sobre os retrocessos e violações provocadas pelo governo Bolsonaro, o movimento negro reforça a necessidade do olhar para as vidas e menos à preocupação com a perda dos lucros das corporações transnacionais, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na pandemia de Covid-19. E que novos modelos de desenvolvimento precisam ser considerados.

O documento apresenta claramente tudo que precisamos olhar, com urgência. Lembra que os países em desenvolvimento e pobres não podem voltar a ser colônias e novamente serem impactados pela nova industrialização “carbono zero”. As vidas não poderão ser medidas pelo crescimento econômico das mesmas economias que não agiram de forma humanitária para salvar as mais de 4 milhões de vidas com a pandemia de Covid-19. A maioria das mortes seriam evitáveis no Norte e no Sul Global, se não estivessem em extrema vulnerabilidade social e ambiental.

Atentos ao movimento negro brasileiro, atentos!

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