Em 93 anos de existência, o TSE – Tribunal Superior Eleitoral nunca teve uma mulher negra como ministra titular.
Esse dado, por si só, revela o quanto as estruturas de desigualdade ainda moldam as instituições brasileiras. Um sistema que deveria refletir os princípios democráticos do país segue reproduzindo uma imagem restrita e pouco diversa da sociedade que o sustenta.
A Justiça Eleitoral foi criada para garantir a legitimidade do voto e condições equitativas na disputa política. Mas como assegurar um Judiciário verdadeiramente democrático se os espaços de decisão permanecem inacessíveis para aqueles que historicamente foram excluídos?
Mulheres negras são alicerces da vida social brasileira, lideram comunidades, produzem saberes, atuam com excelência no Direito, mas seguem ausentes dos cargos mais altos, como se ainda precisassem provar sua legitimidade.
O Brasil de 2025 vive um paradoxo: somos diversos em nossa composição social, mas profundamente desiguais em nossas instâncias de poder. A ausência de mulheres negras nas cortes superiores não é acaso. É resultado de uma estrutura racial excludente, que opera por mecanismos e critérios que reafirmam e perpetuam uma elite homogênea, marcada por privilégios históricos.
Romper com essa lógica exige mais que compromissos retóricos. É preciso adotar medidas concretas, valorizar trajetórias consistentes e reconhecer percursos construídos longe dos holofotes.
Não se trata de exceção, mas de equidade. Não é concessão, é coerência e efetividade dos princípios que sustentam o Estado democrático.
Por isso, é chegada a hora de corrigir uma omissão inaceitável: o Brasil deve nomear, pela primeira vez, uma mulher negra para compor o TSE como ministra titular. E entre os nomes possíveis, Vera Lúcia Santana Araújo representa, com solidez e legitimidade, essa virada necessária.
Com mais de três décadas de atuação jurídica, Vera construiu uma trajetória marcada pela defesa dos direitos humanos, pelo enfrentamento das desigualdades raciais e pela participação ativa na vida pública.
Sua indicação não apenas reconhece uma carreira exemplar, como responde simbolicamente ao país real, aquele que, até hoje, não se viu representado nas altas instâncias do Judiciário.
Porque democracia não é só o direito de votar. É também o direito de ocupar os lugares de decisão.

Silvia Souza
Advogada, conselheira Federal da OAB/SP e Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFOAB. Pós-graduada em Direitos Humanos, Diversidades e violência pela Universidade Federal do ABC. Mestranda em Direito pela Universidade de Brasília.

Ana Carolina Lima
Advogada civilista e fundadora do escritório Romana & Lima – Advogadas Associadas. Especialista em Direitos Humanos, Privacidade e Proteção de Dados, com formação complementar em Direito Privado, LGPD e Controle Social. Conselheira do CDESS da Presidência da República, codiretora do Aqualtune Lab, participa do comitê de redação do Anteprojeto da Lei Geral de Direito Internacional Privado e integra o Grupo de Estudos Algoritmos e Vieses da FGV Direito SP.

Sueli Carneiro
Filósofa, escritora e ativista antirracista brasileira. Doutora em Educação pela USP, é fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, uma das principais organizações da sociedade civil voltadas para a defesa dos direitos das mulheres negras.

Conceição Evaristo
Escritora, ensaísta e professora, referência da literatura afro-brasileira contemporânea. Doutora em Literatura Comparada pela UFF e mestre em Literatura Brasileira. Criadora do conceito de escrevivência, que une escrita e vivência, sua obra valoriza a memória, a ancestralidade e a experiência das mulheres negras.