A desnutrição infantil aumentou entre crianças indígenas, e a escolarização estagnou em níveis baixíssimos entre crianças e jovens negros (soma de pretos e pardos). Nos dois casos, que compõem um contexto de acesso precário a direitos fundamentais, minorias seguem as condições de vida desiguais em relação à população branca e mais rica.
Houve um aumento de 16,1%, entre 2022 e 2023, na desnutrição entre meninos indígenas até 5 anos de idade, e de 11,1% entre meninas indígenas na mesma faixa etária. Já a taxa de escolarização no ensino superior, que entre homens negros é cerca de metade do que se vê entre brancos, manteve-se praticamente inalterada nesse período.
Esses dados estão na nova edição do Observatório das Desigualdades, lançada nesta terça-feira (27), junto a mais de 40 índices que apontam como vários segmentos da população vivem de forma diferente questões como acesso a renda, educação, transporte público, mudanças climáticas, violência urbana e representação política.
O levantamento é uma iniciativa do movimento Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, que reúne 200 entidades, entre organizações do terceiro setor, associações municipais e de classes profissionais. De forma geral, os dados demonstram uma enorme distância entre diversos grupos étnicos e entre homens e mulheres, mesmo nos casos em que os índices melhoraram para todos.
“Estudamos múltiplas desigualdades porque elas se conectam, penetram em todas áreas e atividades da sociedade brasileira, e uma se torna causa da outra”, diz o empresário Oded Grajew, fundador da Grow e membro do Pacto. “O objetivo é mostrar o tamanho das desigualdades e a agenda necessária para combatê-las. Com esse levantamento, ninguém pode dizer que não conhece as desigualdades brasileiras nem por onde começar e o que fazer.”
O Observatório faz uma compilação de dados produzidos por órgãos do governo e entidades do terceiro setor para medir desigualdades em vários setores sociais e, em seguida, analisá-los e propor soluções.
As estatísticas sobre desnutrição infantil mostram, por exemplo, que os indígenas são o único grupo que viveu um crescimento na proporção de crianças abaixo de seu peso ideal até os cinco anos.
O país como um todo ficou praticamente estagnado: houve uma diminuição de 0,2% na média nacional desnutrição dessa faixa etária. Os dados são do Ministério da Saúde.
Nos índices educacionais, a região Nordeste teve a maior queda na taxa de escolarização líquida no ensino médio. Foi de 65% para 62,5% de 2022 a 2023. É o mesmo que dizer que pouco mais de seis entre cada dez alunos nos estados dessa região estão matriculados de acordo com sua idade escolar.
O levantamento destaca, por exemplo, que houve um aumento positivo na média de crianças de 0 a 3 anos que frequentam creches entre 2022 e 2023 —de 30,7% para 33,2%—, mas esse aumento foi maior entre crianças não negras do que em relação às negras. “A menor taxa de crescimento na cobertura foi em relação às meninas negras: apenas 2,4%”, destaca o Pacto, em nota.
No Brasil, a taxa de escolarização no ensino médio é de 66% para alunos negros e 75% para alunos não negros (brancos, amarelos e indígenas, conforma a classificação do IBGE). Na universidade, essa desigualdade é ainda maior.
A taxa de escolarização no ensino superior entre homens negros (12,6%) é metade da proporção entre brancos (24,5%). Entre mulheres, a diferença é similar, com 17% entre negras e quase 32% entre brancas.
Com base em pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o levantamento aponta, por exemplo, uma diminuição nos índices de extrema pobreza, ao mesmo tempo em que a desigualdade entre mais ricos e mais pobres manteve-se inalterada.
O percentual de pessoas em extrema pobreza no Brasil foi de 2,8% a 1,7% no período de um ano, até 2023. Ao mesmo tempo, o 1% mais rico do país teve rendimento médio mensal per capita 31,2 vezes maior do que os 50% mais pobres da população brasileira. Em 2022, esse índice era de 30,8 vezes.
“É muito difícil acreditar que a redução da desigualdade vá acontecer de livre e espontânea vontade dos governos”, diz Neca Setúbal, também membro do Pacto. “Isso exige recurso, exige politica pública com dados, com evidências, e exige que você vá colocar recursos no apoio a grupos que não estão representados nas instituições públicas.”