Difícil de aguentar

De uma forma ou de outra, a herança africana é frequentemente aviltada em território nacional

Já reparou como inúmeros bens de natureza imaterial relacionados à herança africana no Brasil são hostilizados, marginalizados, desvirtuados ou usurpados por terceiros apesar de representarem parte muito importante do patrimônio cultural do nosso país?

Repara.

É assim com a umbanda, religião que reúne elementos do candomblé, do catolicismo, do espiritismo e das tradições indígenas, cujos terreiros são alvo da intolerância e do racismo religioso que fere a liberdade de culto.

Imagem de Oxum, orixá feminina cultuada no candomblé e na umbanda, na Ilha da Pintada, em Porto Alegre – Rafaela Araújo – 4.dez.24/Folhapress

Com a capoeira, essa mistura de arte marcial, dança e música criada por africanos escravizados.

Com o acarajé, o bolinho de feijão-fradinho oferecido aos orixás como oferenda —símbolo da ancestralidade afro na nossa culinária, que se disseminou nacionalmente a partir da venda nos tabuleiros de mulheres negras—, que ganhou uma versão gospel, o “bolinho de Jesus”.

Com o axé music –movimento cultural nascido na Bahia que simboliza a resistência negra e completa 40 anos esta semana– que tem letra de música alterada por cantora evangélica que acha por bem “cantar seu rei Yeshua” (Jesus em hebraico) para não ter de saudar Iemanjá, orixá feminina.

Com o samba, expressão da identidade cultural do povo negro que hoje é patrimônio cultural, mas já foi criminalizada por associação à vadiagem.

Nem mesmo o desfile de Carnaval das escolas (agremiações populares criadas por pessoas negras nos morros cariocas) que há décadas promovem um espetáculo conhecido em todo o planeta, atrai milhares de pessoas e movimenta uma indústria bilionária (que só não enriquece os negros) consegue se safar ileso. Não bastassem os comentários racistas sobre crianças da ala mirim de agremiações, este ano já teve até prefeitura denunciada no Rio Grande do Sul pela bizarrice de proibir desfile de escolas com enredo de temática ligada a religiões de matriz africana.

De uma forma ou de outra, a herança africana é frequentemente aviltada em território nacional. É um negócio difícil de aguentar.


Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

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