Ao defender o feminismo negro – e a ideia de que há feminismos, no plural (“a gente não pode tratar a questão das opressões como competição”) –; dizer que “não dá para ser feminista sem ser antirracista, sem lutar contra a opressão por conta de orientação sexual e sendo a favor da maioridade penal e da reforma trabalhista”; e lamentar a morte de Marielle Franco, Djamila Ribeiro foi bastante aplaudida na concorrida mesa de que participou no final da desta quinta-feira (26) na 16ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).
Do bom encontro chamado “Amada vida”, também participou a argentina Selva Almada, autora “Garotas mortas” (Todavia) sobre três casos de jovens assassinadas em seu país. No debate, falou bastante sobre feminicídio, violência contra a mulher (disse que é no abuso cotidiano que se sutenta o assassinato) e também ganhou palmas várias vezes.
Mesmo antes de a mesa começar, já dava para ver que era grande o interesse do público. A fila do lado de fora do auditório principal estava maior que normal neste começo de Flip 2018.
Se o tema, na pauta de muitas discussões atuais, prometia, as convidadas não decepcionaram. E a mediadora, a poeta e editora Alice Sant’Anna, ajudou: fez as perguntas certas nas horas certas.
Mesmo a pessoa na plateia que eventualmente não fosse familiariaziada com nada da obra de Djamila, que lançou “O que é lugar de fala?” (Letramento) e “Quem tem medo do feminismo negro?” (Companhia das Letras), ou mesmo com de Selva, conseguiu sair dali com material suficiente para entender do tratam os livros. Quer dizer, missão cumprida.
Fala Djamila
Quando a mediadora pediu a Djamila que comentasse o fato de que, no passado, não se identificava com o feminismo porque ele contemplava majoritariamente mulheres brancas e não especificidades de mulheres brancas, a escritora respondeu:
“As feministas negras falam da importante de nomear uma realidade. Porque, se a gente não nomeiam como é que vai pensar uma solução? Como mulher e negra, não tem como escolher a opressão contra a qual vou lutar, porque as duas identidades me formam. Muitas mulheres negras historicamente tiveram problemas em se identiffcar como feministas porque não se sentiam representadas dentro daquele feminismo dito universal. Quando a gente fala de mulheres, a gente tem de perguntar de quais mulheres a gente está falando”.
A convidada lembrou há quem critique o ato de nomear por supostamente implicar uma divisão. “A sociedade já é dividida. Racismo, opressão de classe, machismo já dividem.”
“Quando melhoro grupos que são vulneráveis, melhoro a vida de todos. Quando melhor a vida de mulheres negras, automaticamente melhoro a vida de mulheres brancas, que estão numa situação menos vulnerável.”
A autora acredita que a discussão avançou que “a gente consegue ter essa conversa de uma maneira mais honesta”.
“A gente não pode tratar a questão das opressões como competição. Não é competição. Estamos falando do direito básico à vida, né? Pensar pra mim feminismo, pensar feminismos, porque é sempre no plural, existem varias vertentes, correntes de pensamento, não necessariamente as feministas vão concordar entre si, muito pelo contrário, tem tretas homéricas entre as feministas.”
Foi neste momento que Djamila afirmou que “é bom não pensar o feminismo com um movimento homogêneo, mas é pensar que não dá pra ser feminista sem ser antirracista”.
“Se existem mulheres negras, se existem pessoas negras, não dá pra ser feminista sem ser antirracista, não dá pra ser feminista sem lutar contra a opressão por conta de orientação sexual.”
Ganhou muitas palmas, o que se repetiu no fim, quando Alice Sant’Anna pediu que ela comentasse o assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco, morta em 14 de março.
“Só mostra a nossa vulneralidade, como mulheres negras. Mesmo sendo uma parlamentar. Era uma mulher que ia muito pro front, era tida como agressiva. E [o fato de] a gente não saber até hoje o que aconteceu mostra muito o racismo institucional da sociedade brasileira. Não é possível que a gente não tenha resposta de quem cometeu esse crime bárbaro.”
Djamila disse que, após a notícia da morte de Marielle Franco, ficou sem sair de casa e de cama. “A gente não pode permitir que esse silenciamento histórico aconteça com ela”, completou. Citando Lélia Gonzalez, falou em “compartilhar o legado” da vereadora.
Fala Selva
“Acredito que começar a chamar as coisas pelo nome correto é uma maneira de começar a mudá-las”, disse Selva. No caso de ‘feminicídio’, é começar a ver sua real dimensão. A imprensa começou a usar e as pessoas comuns também. Quando você ouve ‘feminicídio’, você sabe: não é que mataram uma mulher num assalto. Estamos falando sobre uma mulher que foi morta apenas por ser mulher.”
A escritora também falou que “o machismo faz parte da cultura argentina”.
“O olhar que os outros países da América Latina têm sobre a Argentina, de que tivemos uma presidente mulher, que dá uma aparência de que não somos machistas.. Mas somos uma sociedade patriarcal.”
E foi aprovada ao comentar que se sente ameçada por ser mulher.
“Um homem pode tentar colocar-se no nosso lugar, mas nunca vai saber o que é ter medo ao passar diante de um grupo de homens. É instranferível. É um medo que alguns gays podem ter experimentado, mas um heterossexual pode tentar imaginar, pode chegar perto, mas acho que não vai acontecer, é uma sensação física.”
Selva lembrou que, quando escrevia seu livro, surgiram “lembranças de toda uma vida”. Estava falando de episódios de violência e assédio que passam despercebidos.
“Essa forma como bater ou violência psicológica ou sexual dão a sustentação para toda essa trama que acaba com a mulher morta.”