‘Não dá pra ser feminista e ser a favor da redução da maioridade penal’, diz Djamila Ribeiro em mesa da Flip

Quarta mesa desta quinta-feira da Flip trouxe a política para o primeiro plano aquecendo os debates em Paraty. A fllósofa brasileira Djamila Ribeiro e a escritora argentina Selva Almada conversaram sobre as diferentes formas de feminismo, seus avanços e desafios, sob o olhar social e literário.

por Jan Niklas no O Globo

Djamila Ribeiro na Flip – @waltercraveiro / Divulgação

O debate se iniciou com uma citação da autora Chimamanda Ngozi Adichie feita pela mediadora Alice Sant’Anna, que serviu como uma espécie de fio condutor da conversa.

— Chimamanda lembra que é perigoso conhecer apenas uma versão da história. Há muitas versões que não só devem, como podem ser contadas — disse Alice.

Pensando na importância de como se narra a realidade, Selva Almada ressaltou a urgência de conceitos como o “feminicídio” para uma melhor compreensão da violência que atinge as mulheres.

— Há alguns anos poucas pessoas usavam a palavra “feminicídio”. Parecia um discurso mais passional , uma coisa quase novelesca: “amava tanto aquela mulher que tive que matá-la — disse Selva. — Nomear as coisas corretamente é uma maneira de entender melhor o problema. Quando falamos de feminicídio estamos fando de uma mulher que foi morta por ser mulher, apenas. Deixamos de naturalizar isso.

Já Djamila ressaltou que há diversas especificidades que precisam ser levadas em conta na hora de nomear essas violências. Além de gênero, pensando no caso brasileiro, não há como se pensar feminismo sem o conceito de raça.

– Após a Lei Maria da Penha, o assassinato de brancas diminuiu em 10%, mas o de negras aumentou em 50%. É preciso criar políticas específicas pra essas mulheres. Nomear não é dividir a sociedade, como muitos acusam. Afinal, a sociedade já é dividida, e as negras estão na base da estrutura.

Ela lembrou que certos mecanismo de opressão agem especificamente em mulheres negras. Tanto de forma estrutural, como em situações corriqueiras.

 

— Toda vez que estou na fila do embarque internacional, me perguntam “Você vai dançar?”. Eu respondo: “Eu não. E você, vai dançar?” – disse, arrancando risos da plateia. — É difícil se manter sã para enfrentar todas essas situações, batalhas grandes e batalhas pequenas. Tenho até meditado. Virei “namastê”. Mas uma “namastê com crítica social”.

Selva afirmou que no caso argentino também há divisões que o próprio movimento feministas ainda tem que enfrentar.

— Também discutimos diversos femininos. Não temos uma população negra, mas temos uma população nativa. E quando nós, brancas, de classe média, falamos não estamos falando com essas mulheres nativas, mulheres pobres, aborígenes, sobre o que significa ser mulher. Precisamos nos revisar por dentro pensando diferentes feminismos.

PERFORMANCE OVACIONADA PELO PÚBLICO ABRIU DEBATE

Segundo Djamila, para se pensar o feminismo é necessário ainda se posicionar contra outras lógicas de opressão.

— Não dá pra ser feminista e ser a favor da redução da maioridade penal. Não da pra ser feminista e ser a favor da reforma trabalhista.

Fechando a mesa, com o mesmo tom politizado do início, Alice questionou Djamila sobre o que o silêncio sobre a morte de Marielle Franco quer dizer.

— Isso mostra como o racismo institucional age no nosso país. Não podemos permitir que o silenciamento que apagou muitas mulheres negras da história aconteca com ela. Precisamos lutar para manter Marielle presente.

Antes do debate, aconteceu uma performance – uma das apostas da edição deste ano — da slammer pernambucana Bell Puã, incendiando o público que lotou o Auditório da Praça. Com versos cortantes e politizados, ela denunciou o machismo, o racismo e a estreiteza da visão ocidental que rege a sociedade brasileira.

— Colonizaram até nossa mente. Para tudo a Europa virou padrão — disparou.

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