Equiparação salarial é realidade na justiça brasileira?

Ainda que a Consolidação das Leis Trabalhistas (artigo 461) e a Constituição Brasileira (artigo 5) consagre que homens e mulheres são iguais perante à lei e que é veda toda e qualquer forma de discriminação e trabalhos de igual função têm a mesma remuneração, a realidade no país é bem diferente do que está no ordenamento jurídico.

Por Mylene Ramos enviado para o Portal Geledés 

Foto: Rawpixel.com

Com mais de vinte anos atuando na justiça trabalhista, conto nos dedos os casos em que a equiparação salarial foi demandada por uma questão de gênero: quem de minhas colegas e meus colegas da advocacia que estão lendo este artigo agora patrocinaram causa desta natureza? Ou tenham conhecimento? Sabe de algum magistrado que julgou tal demanda?

Claro, a probatória é dificultosa. E as fiscalizações? Diria que inexistem quando a questão é gênero e suas nuances. Entretanto, é possível provar na prática que homens e mulheres são desiguais perante o salário? Os dados provam que sim: De acordo com dados do IBGE, o rendimento das mulheres é aproximadamente 30% inferior ao dos homens.

A distorção se torna ainda mais perversa quando olhamos para as mulheres negras. Hoje é o último mês de Agosto, mês em que é celebrado o Black Women´s Pay Gap. No dia 7 de Agosto, o vídeo lançado hoje na plataforma americana Lean In traz o relato de mulheres negras dizendo o que fariam com 38% a mais que deixaram de ganhar. “Certamente teria uma aposentadoria mais confortável”, diz uma delas. Outra afirma que viajaria mais.

Nos Estados Unidos, os estudos das diferenças salariais entre mulheres negras e homens brancos demonstra que a discrepância começa cedo: dos 16 aos 24 anos, as negras recebem 16% a menos. O gap aumenta com a idade: 32% é a diferença salarial entre mulheres negras e homens brancos na faixa etária dos 25 aos 54 anos e sobe para 39% a partir dos 55.

O prejuízo não é apenas para as representantes do sexo feminino: se os salários fossem como o preconizado na legislação em vigor, a economia brasileira seria beneficiada com uma injeção de 461 bilhões de reais (conforme pesquisa do Instituto Locomotiva de 2017). Lá, a estimativa é que o rendimento anual justo de mulheres negras daria para fazer compras no supermercado por três anos. Por isso, a hashtag 38percentcounts está sendo usada. A produtora de TV Shonda Rhimes já está usando a nomenclatura no Twitter. Ela, que é a criadora de séries de sucesso como Scandal, Grey´s Anatomy e How to get away with murder, tem incentivado os internautas que a seguem a fazer o mesmo.

Não apenas as ativistas sabem da importância de um equilíbrio nos rendimentos. Companhias como a Reebok também apoiam a iniciativa em redes sociais e no site oficial. Já a Adidas estampou a mensagem nas sacolas e em todas as suas lojas- inclusive as onlines. A Procter e Gambler patrocinou o vídeo 38percentcounts este ano.

Como mulher, feminista e negra, vejo que o prejuízo maior é ao Estado Democrático de Direito do Brasil, que é atesta na prática que a isonomia salarial positivada é insuficiente na vida real de brasileiros e brasileiras que recebem de forma divergente pelo mesmo tipo de trabalho.

Podemos aprender com experiências como a americana não apenas hoje, pois o quadro de exclusão, Infelizmente, não é exclusividade nosso. Alguns países pelo menos têm consciência do problema: nos Estados Unidos e na Europa, 10 de Abril é o “Equal Pay Day” (Dia do Pagamento Igual). A ONU Mulheres lançou a campanha “The 23% Robbery” (“Os 23% roubados” em tradução literal) Segundo o próprio órgão, mulheres recebem apenas 77 centavos para cada dólar que os homens ganham em todo o mundo. Estes 23 centavos nos são roubados e este roubo deve parar, atingindo igualdade entre os gêneros também nos salários. E, no dia primeiro de Novembro, será o dia da igualdade salarial para mulheres latinas, que, de acordo com estimativas, recebem cerca de 46% a menos que homens brancos.

As iniciativas são boas? Sem dúvida. Mas não devem ficar apenas nas redes sociais e sim serem postas em prática em tudo, sobretudo na justiça do trabalho brasileira.

Dra. Mylene Pereira Ramos é Juíza do Trabalho e é formada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestre em Direito pela Columbia University (Nova Yorque, EUA) e Stanford University (California, EUA); doutora em Direito pelas Stanford University e Facultad de Derecho y Ciencias Sociales da Universidade de Castilha-La Mancha (Castilla La Mancha, Espenha). Atualmente é integrante da Comissão da Igualdade Racial da OAB-SP


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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