Estudantes da UnB criam página para denunciar preconceito de professores

Alunos de relações internacionais ironizam suposto destaque da graduação. Regra proíbe que frequentadores se deitem no chão; UnB apura postagens.

Pro Mateus Rodrigues Do G1

Alunos do curso de relações internacionais da Universidade de Brasília criaram uma página em rede social para divulgar casos de racismo, machismo, elitismo e outros tipos de preconceito vividos em sala de aula. Nas postagens anônimas, os estudantes citam episódios de assédio moral protagonizados por professores e gestores da graduação (veja imagens ao longo desta reportagem).

A página foi nomeada “No ‘Melhor da América Latina'” e ironiza o título que, segundo os alunos, foi concedido pelos próprios docentes ao curso da UnB. Até as 22h desta sexta-feira (3), 24 horas após a criação, a comunidade já tinha 1.176 inscritos.

Questionada pelo G1, a UnB informou que tomou conhecimento da página na tarde de sexta e tomará as “devidas providências”, que não foram detalhadas. Se for preciso, um procedimento administrativo será aberto na reitoria para investigar o caso.

“Tem aluno que resiste a investidas assediosas e sai com a nota e a carreira acadêmica prejudicada”, diz uma das postagens. “Professor diz que universitárias com filhos não deviam estar na universidade. ‘Tem muita mulher mãe folgada. Teve filho? Tem que aceitar que a sua vez na universidade passou. Universidade não é creche'”, cita outra publicação.

Os reponsáveis pela página se mantinham anônimos até a noite desta sexta. Em uma das primeiras publicações, eles afirmam que a autoria das denúncias, assim como o nome dos professores, seria mantida em sigilo para proteger vítimas e acusados. “A página tem como objetivo expor os absurdos vividos cotidianamento pelo alunado do departamento”, diz o texto.

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Elitismo
Os estudantes afirmam que a insatisfação ultrapassa os comentários com teor preconceituoso feitos em sala de aula. Segundo eles, há regras do próprio departamento que comprometem a integração dos alunos, sobretudo os de baixa renda. Ao contrário dos outros prédios da UnB, é proibido deitar no chão e nos bancos do Instituto de Relações Internacionais.

Não pode deitar no prédio. Quando a gente deita pra esperar uma aula, descansar, a equipe de segurança vem e diz que não pode. É uma síndrome de micropoder absurda. Fica claro que eles têm uma ideia de limpeza social. Toda hora, falam que ‘a gente não pode virar o ICC [prédio que abriga os cursos de humanidades], a gente tem que ser mais educado'”

“Não pode deitar no prédio. Quando a gente deita pra esperar uma aula, descansar, a equipe de segurança vem e diz que não pode. É uma síndrome de micropoder absurda. Fica claro que eles têm uma ideia de limpeza social. Toda hora, falam que ‘a gente não pode virar o ICC [prédio que abriga os cursos de humanidades], a gente tem que ser mais educado'”, conta uma aluna, que pediu para não ser identificada na reportagem.

Ela diz que não é responsável pela administração da página, mas ajudou a convocar os colegas de curso para um “deitaço” na próxima segunda (6). A ideia é que dezenas de alunos se deitem na área central do prédio e permaneçam no local, contrariando a regra considerada absurda.

A estudante diz que as queixas não são novidade, mas só agora atingiram um ponto insustentável dentro da faculdade. “Pessoas que já saíram do curso, estão no mestrado, no doutorado, vêm falar com a gente e dizem que as mesmas coisas aconteciam em outras épocas, mas eles não tiveram chance de questionar”, diz.

Estopim
Na última semana, dois episódios graves teriam sido o “estopim” da revolta. Em uma aula de economia e política internacional, o professor teria corrigido exercícios em voz alta, expondo e identificando o responsável por cada erro. Para evitar a saída dos alunos, a porta teria sido travada com uma cadeira.

Nós conhecemos a posição geral da UnB sobre isso, que prefere resolver internamente sem levar a público, mas percebemos na assembleia que os alunos consideram os processos internos da UnB insuficientes”

Em outra classe, composta por apenas seis alunas, uma professora do instituto teria adotado tratamento “claramente diferenciado” com duas estudantes negras, que se sentiram coagidas e procuraram o centro acadêmico. Segundo a aluna entrevistada pelo G1, a tutora já responde a processos administrativos por comportamento racista.

Os relatos sobre racismo em sala de aula levaram o centro acadêmico do curso a convocar uma assembleia-geral de estudantes. Segundo a representante do centro Fabiana Sousa, mais de 200 graduandos participaram da reunião e encaminharam outras denúncias.

“Temos diversos relatos contra vários professores, embora alguns sejam ‘unanimidade’ em reclamações. Na gestão anterior [do centro], tentamos criar uma ouvidoria específica para o curso, mas a UnB não permitiu. Teria que ser algo aprovado em conselho, a gente corria até o risco de processo. Seguimos tentando soluções pelas vias institucionais”, diz.

Fabiana diz desconhecer os autores da página na internet, mas defende o anonimato como forma de evitar perseguições em sala de aula. “Nós conhecemos a posição geral da UnB sobre isso, que prefere resolver internamente sem levar a público, mas percebemos na assembleia que os alunos consideram os processos internos da UnB insuficientes.”

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Outros cursos
Em outras ocasiões, alunos da UnB também usaram a web para denunciar casos de assédio e preconceito nas salas e corredores da universidade. Em dezembro, professores do curso de comunicação foram surpreendidos por recados anônimos colados nas portas das salas, com críticas ao método e ao ritmo das aulas.

As mensagens resultaram de uma atividade proposta pelo professor Gustavo de Castro, em uma disciplina sobre estética e comunicação. Ao G1, ele disse reconhecer que a ideia “saiu do controle”, mas afirmou que a relação hostil de alunos com professores não piorou, nem se resolveu com a dinâmica.

Duas semanas depois da atividade, a reitoria da UnB recebeu um dossiê contra um dos professores do mesmo departamento, com uma série de denúncias de assédio moral e sexual contra alunas, em sala de aula. Os relatos começaram a surgir nas redes sociais a partir dacampanha #meuamigosecreto, feita no fim de novembro.

Em março de 2014, estudantes da UnB já tinham criado uma página coletiva na internet parareunir casos de assédio entre alunos, professores e outros membros da comunidadeacadêmica. Em menos de um mês, o espaço recebeu 152 mensagens e ganhou 5.087 seguidores. A então secretária da Mulher do DF, Olgamir Amâncio, classificou a iniciativa como “interessante”.

 

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