‘Gritamos que só tinha criança, e tacaram duas granadas e deram muitos tiros’, diz testemunha da morte de João Pedro

“A gente foi, deitou no chão, levantou a mão. Matheus começou a gritar que só tinha criança… Aí, eles tacaram duas granadas assim na porta da sala, que quem tava mais perto da porta era eu e João. Aí, eles deram muitos tiros nas janelas.”

Esse é o relato de um dos adolescentes que estavam na casa onde o menino João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, foi morto. João foi baleado na segunda-feira (18), durante uma operação da Polícia Federal com apoio da Polícia Civil no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.

O amigo de João ainda acrescentou:

“Assim, a gente saiu correndo pro quarto. Daí os policiais entraram, mandaram a gente deitar no chão e todo mundo calar a boca. As polícias deram tiro no Matheus enquanto ele levava João no carro pro helicóptero pegar ele.”

O corpo do menino foi enterrado na terça-feira (19), no Cemitério São Miguel, em meio a um protesto de amigos e parentes e aos gritos de “justiça”.

A operação terminou sem presos e destruiu uma família inteira.

Segundo a Polícia Civil, João Pedro foi atingido durante um confronto na comunidade enquanto policiais federais e civis atuavam na região. Ele morava na Praia da Luz, no bairro de Itaoca.

Imagens mostram a parede de um dos cômodos da casa atingida por disparos. O adolescente foi socorrido de helicóptero, mas não resistiu aos ferimentos.

‘A polícia chegou lá de uma maneira cruel’, diz pai do menino

O pai do adolescente, Neilton Pinto, disse que estava trabalhando na hora que João Pedro foi baleado. Ele contou que a família estava sem notícias do adolescente até a manhã de terça-feira (19), quando foi informada sobre a morte. O filho, segundo ele, sonhava em se tornar advogado.

“Um jovem de 14 anos, um jovem com um futuro brilhante pela frente, que já sabia o que queria do seu futuro. Mas, infelizmente a polícia interrompeu o sonho do meu filho. A polícia chegou lá de uma maneira cruel, atirando, jogando granada, sem perguntar quem era. Se eles conhecessem a índole do meu filho, quem era meu filho, não faziam isso. Meu filho é um estudante, um servo de Deus. A vida dele era casa, igreja, escola e jogo no celular”, desabafou.

Na entrevista, Neilton fez críticas à atuação policial e ao governador Wilson Witzel.

“Quero dizer, senhor governador [Wilson Witzel], que a sua polícia não matou só um jovem de 14 anos com um sonho e projetos. A sua polícia matou uma família completa, matou um pai, matou uma mãe, matou uma mãe e o João Pedro. Foi isso que a sua polícia fez com a minha vida.”

Witzel lamenta morte

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, informou que “lamenta profundamente” a morte do adolescente João Pedro e que presta sua solidariedade à família neste momento de dor.

O governador também determinou investigação rigorosa sobre as condições da morte do menino.

Inquérito instaurado

A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) instaurou inquérito para apurar a morte do adolescente. Segundo a especializada, foi realizada perícia no local e duas testemunhas prestaram depoimento.

Os policiais foram ouvidos e as armas apreendidas para confronto balístico. Outras buscas ainda estão sendo realizadas para esclarecer as circunstâncias do fato.

“De acordo com o apurado, a vítima era inocente, não registrava passagens anteriores. A Polícia Civil lamenta muito e entende o desespero da família. A gente vai trabalhar duro pra esclarecer o fato”, disse o delegado Allan Duarte, que está à frente do caso.

Segundo a polícia, a ação visava cumprir dois mandados de busca e apreensão contra lideranças de uma facção criminosa. De acordo com os agentes, seguranças dos traficantes tentaram fugir pulando o muro de uma casa. Eles dispararam contra os policiais e arremessaram granadas na direção dos agentes. No local foram apreendidas granadas e uma pistola.

A tia do adolescente, Denize Roz, deu uma outra versão.

“A polícia chegou atirando e não sabíamos de nada. Quando conseguimos chegar na casa, as crianças já estavam do lado de fora, no muro, e os policiais dentro da casa dizendo que nós não poderíamos entrar. Um dos meninos que estavam na casa começou a gritar quando a polícia entrou, avisando que ali havia crianças e uma menina na casa. Depois que viram que ele estava baleado, o João Pedro foi levado para dentro do helicóptero que estava pousado no campo. Depois disso, ninguém teve mais notícias”, descreveu Denize.

Advogado da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Rodrigo Mondego disse que a comissão está acompanhando o caso.

“Algumas perguntas precisam ser respondidas. Por que ficaram tanto tempo com o corpo do garoto? Por que só de madrugada indicaram o IML de Tribobó? Como foi essa retirada do corpo dele? Se o corpo dele foi levado para o heliporto, porque não houve nenhum pronunciamento de parte da Polícia Civil e da Polícia Federal? “, questionou o advogado.

Deputados do PSOL entraram com uma representação na Organização das Nações Unidas (ONU). O documento foi assinado pelo deputado federal Marcelo Freixo e pela deputada estadual Renata Souza e conta o que aconteceu na comunidade.

Eles relatam que esse tipo de ação da polícia, que é comum nas comunidades do Rio, viola as normas internacionais de Direitos Humanos. Os deputados solicitam que a comissão da ONU peça uma investigação imparcial do caso para que a morte de João Pedro não fique impune.

O que dizem os envolvidos

Polícia Militar

“Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que, na segunda-feira (18/5), policiais militares do Batalhão Aeromóvel (GAM) atuaram em apoio aéreo a uma operação realizada pela Polícia Federal com apoio também da Polícia Civil na Comunidade do Salgueiro, em São Gonçalo. Vale ressaltar que a Polícia Militar não foi solicitada para realizar o socorro de pessoas feridas durante a ação.”

Polícia Federal

“A Superintendência Regional da Polícia Federal no Rio de Janeiro informa que, na data de ontem, 18/05, durante operação da Polícia Federal com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo / RJ um adolescente foi ferido. A ação visava cumprir dois mandados de busca e apreensão contra lideranças de uma facção criminosa da região. Durante a ação, seguranças dos traficantes tentaram fugir pulando o muro de uma casa. Eles dispararam contra os policiais e arremessaram granadas na direção dos agentes. No local foram apreendidas granadas e uma pistola. O jovem ferido na ação foi socorrido de helicóptero. Médicos do Corpo de Bombeiros prestaram atendimento, mas ele não resistiu aos ferimentos. O corpo foi encaminhado para o IML de São Gonçalo. A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) informou que já instaurou inquérito para a apurar as circunstâncias que levaram à morte do adolescente. A Polícia Federal acompanhará e prestará todas as informações e apoio necessário à elucidação dos fatos.”

Polícia Civil

“A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) instaurou inquérito para apurar a morte de um adolescente ferido durante operação da Polícia Federal com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Foi realizada perícia no local e duas testemunhas prestaram depoimento na delegacia. Os policiais foram ouvidos e as armas apreendidas para confronto balístico. Outras diligências estão sendo realizadas para esclarecer as circunstâncias do fato. A ação visava cumprir dois mandados de busca e apreensão contra lideranças de uma facção criminosa. Durante a ação, seguranças dos traficantes tentaram fugir pulando o muro de uma casa. Eles dispararam contra os policiais e arremessaram granadas na direção dos agentes. No local foram apreendidas granadas e uma pistola. O jovem foi ferido e socorrido de helicóptero. Médicos do Corpo de Bombeiros prestaram atendimento, mas ele não resistiu aos ferimentos. O corpo foi encaminhado para o IML de São Gonçalo.”

Leia também: 

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