Testemunhas foram ouvidas na 1ª audiência do caso, marcada por manifestação na porta do Fórum. Defesas nega agressão e pedem julgamento de policiais por lesão corporal seguida de morte.
Do G1
A primeira audiência de instrução sobre a morte de Luana Barbosa dos Reis, após uma abordagem policial em Ribeirão Preto (SP), foi marcada por protestos de movimentos negros e LGBT, na tarde desta quarta-feira (18).
O caso ganhou repercussão depois que a ONU Mulheres e o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) afirmaram se tratar de “caso emblemático da prevalência e gravidade da violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil.”
Segurando cartazes e gritando palavras de ordem, como “Luana, presente”, os manifestantes ficaram em frente à entrada principal do Fórum, por onde passaram os familiares de Luana e os três policiais militares acusados de agredi-la, em abril de 2016.
Irmã de Luana, a professora Roseli dos Reis disse esperar que a Justiça mantenha a acusação de homicídio qualificado, o que levaria os PMs a júri. As defesas querem que a tipificação do crime seja lesão corporal seguida de morte. Nesse caso, a sentença é dada pelo juiz.
“Três homens, policiais armados, fardados, que foram empregados para proteger a população, funcionários públicos, e que usam dos seus cargos para matar deforma covarde uma mulher, negra, lésbica, da periferia, sozinha, desarmada, sem droga, sem nada, levando o filho para um curso. A nossa expectativa é de Justiça”, disse ao entrar no prédio.
O advogado Julio Mossin, que representa Douglas Luiz de Paula – policial militar aposentado – e André Donizete Camilo disse que ambos são inocentes.
O advogado Paulo Maximiano Junqueira Neto, que defende o PM Fabio Donizeti Pultz, também afirmou que o cliente é inocente.
“Eu acredito piamente na absolvição sumária dos três policiais militares. Nessa fase agora, ocorre a pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária. Eu acredito que eles vão ser absolvidos sumariamente nessa fase do processo”, afirmou.
O Tribunal de Justiça de São Paulo não permitiu que a imprensa acompanhasse a sessão, alegando que a sala era pequena para abrigar os réus, as testemunhas e os jornalistas. Ao todo, 26 pessoas foram intimadas a depor, sendo seis de acusação e 20 de defesa.
Na entrada do Fórum, a família de Luana foi barrada porque usava camisetas com os dizeres “Amor Eterno, Justiça para Luana”. Segundo os policiais militares que faziam a segurança do local, a ordem partiu da direção da unidade. Os advogados resolveram o impasse.
“É muita dor, é muita luta, e é o tempo todo um sofrimento, uma barreira. A nossa expectativa, agora, é que o jurídico tenha discernimento e dê um aval justo, e o caso da minha irmã seja encaminhado a júri popular”, afirmou Roseli.
Nem todos os convocados prestaram depoimento. Entre os que foram ouvidos está o médico legista do Instituto Médico Legal (IML), que constatou a morte de Luana por isquemia cerebral e traumatismo craniano em decorrência de espancamento.
Também depuseram duas irmãs da vítima, o filho dela e um morador do bairro onde ela morava. Uma testemunha de defesa não compareceu por problemas de saúde e o promotor Eliseu José Berardo Gonçalves pediu nova convocação. A sessão foi redesignada, mas a data não foi marcada.
Protesto
Enquanto a audiência ocorria dentro do Fórum, manifestantes ficaram em frente à unidade gritando palavras de ordem e exibindo faixas com os dizeres “Nenhuma Negra a menos”, “Vidas Negras Importam” e “Contra o Racismo e o Lesbocídio do Estado”.
Integrante do “Coletivo Luana Barbosa”, que foi criado após o caso, Fernanda Gomes contou que 35 pessoas viajaram de São Paulo (SP) a Ribeirão para apoiar a família da vítima e acompanhar a sessão.
“A Luana foi morta, assassinada por ser mulher negra, lésbica, que não performava a feminilidade. Então, é importante que o Estado se responsabilize por mais um corpo negro derrubado na mão da PM”, afirmou.
Representante de movimento negro, Silvia Diogo criticou a demora da Justiça para julgar o caso e disse que desde 2016 espera a punição dos policiais.
“O povo tem que decidir qual a definição a ser dada para este caso. Nós queremos que o povo tenha conhecimento de que em Ribeirão Preto, Brasil, mundo, existe, sim, homofobia, racismo, preconceito. E é contra isso que estamos aqui hoje”, desabafou.
O Caso
Segundo relatos da família, Luana Barbosa dos Reis foi abordada pelos policiais militares quando levava o filho a um curso, na noite de 8 de abril de 2016, em Ribeirão Preto. Os dois estavam em uma moto e foram parados na rua de casa, no Jardim Paiva.
Luana não teria permitido ser revistada, exigindo a presença de uma policial e acabou sendo agredida. A irmã dela, a professora Roseli Barbosa dos Reis, chegou a acusar os policiais de racismo e homofobia, uma vez que Luana era negra e lésbica.
A mesma afirmação foi feita pela ONU, que divulgou uma nota pedindo que o caso fosse tratado com transparência e que fossem respeitadas as responsabilidades internacionais diante dos tratados de direitos humanos.
Em um vídeo gravado logo após a abordagem, Luana diz que foi ameaçada pelos PMs. Nas imagens, ela está sentada na calçada do Plantão Policial, visivelmente atordoada, com ferimentos no rosto, hematomas nos olhos e nas pernas.
Luana voltou para casa, mas começou a apresentar febre alta e acabou internada no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Ela morreu cinco dias depois, em 13 de abril, em decorrência de isquemia cerebral e traumatismo crânio-encefálico.
Na denúncia, a qual o G1 teve acesso com exclusividade, o promotor Eliseu Berardo Gonçalves afirma que Luana foi submetida a uma “sessão de tortura”, uma vez que o trio, “em superioridade numérica e de armas”, a impossibilitou de esboçar qualquer reação.
Após a denúncia, em maio de 2016, o juiz Luiz Augusto Freire Teotônio determinou que a investigação fosse encaminhada à Justiça Militar de São Paulo (JMSP), uma vez que os suspeitos são PMs. Entretanto, o processo foi arquivado por falta de indícios de crime militar.
O promotor pediu então que o inquérito voltasse à Justiça comum, o que aconteceu em janeiro do ano passado, após decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A Polícia Civil reabriu a investigação, que foi concluída em 5 de abril desse ano.