Justiça racial: sociedade e Estado em prol da igualdade

Por muito tempo, discriminação foi tema ignorado

por Marcia Lima consultora de Geledés no Folha de São Paulo

Márcia Lima, durante o seminário Diálogos, no auditório do Cebrap, em 2016 – Moacyr Lopes Junior – 2.mai.16:Folhapress

Celebramos nesta terça-feira (20) os 323 anos da morte de Zumbi dos Palmares. Já existe no país uma tradição de promover, ao longo desta semana ou deste mês, reflexões sobre a questão racial.

Precisaríamos muito mais do que isso para avançarmos neste debate. Mesmo assim, é importante, neste dia, registrarmos as conquistas, os entraves e, acima de tudo, ficarmos atentos em relação ao futuro.

O cenário das desigualdades raciais no Brasil em suas amplas dimensões –acesso à educação, progressão escolar, emprego, rendimentos, violência racial, dentre outros– tem sido alterado em razão de três aspectos fundamentais: denúncia, pesquisa e ação estatal.

No campo da denúncia, as lutas contra a opressão racial são parte da nossa história. As conquistas da população negra têm sido decisivamente marcadas pela resistência e denúncia de seu próprio povo do tratamento recebido pelo Estado e pela sociedade brasileira.

As rebeliões escravas, a formação dos quilombos, a imprensa negra, assim como a produção intelectual e artística dos negros brasileiros são alguns de muitos exemplos históricos do engajamento de negros e negras na demanda pela igualdade racial. Nenhuma conquista dos negros neste país ocorreu sem sua luta e participação.

Nas pesquisas acadêmicas são fartos os estudos sobre os efeitos da condição étnico-racial na composição das desigualdades. Há pelo menos oito décadas de acúmulo de investigações que buscam entender os entraves enfrentados pela população negra no processo de realização socioeconômica.

Pesquisas realizadas por acadêmicos negros e brancos, nacionais e estrangeiros, em diferentes instituições de ensino e pesquisa, constatam que ser negro altera as chances de mobilidade social, de realização educacional e dos seus rendimentos, independentemente da origem social.

Mesmo quando quebram as barreiras educacionais, recebem salários desiguais. Vale ressaltar ainda que as desigualdades raciais não se restringem às dimensões medidas pelos tradicionais indicadores de educação e renda. As taxas de homicídios da população jovem, assim como as de feminicídio, são fortemente marcadas pela condição racial das vítimas. A violência no Brasil não é aleatória e afeta de forma desigual os negros do país, marcados pelos estereótipos raciais que colocam todo jovem negro sob suspeição.

No que concerne às políticas públicas, o processo de reconhecimento dessa agenda ocorreu recentemente e foi de curta duração. Durante muito tempo, o Estado brasileiro ignorou a existência de desigualdade racial, deixando de tratar desse tema como um problema da sociedade brasileira. Mesmo com todas as limitações, a inclusão dessa questão na pauta estatal promoveu mudanças profundas no quadro das desigualdades raciais do país.

Em dez anos, quadruplicou a presença de negros no sistema de ensino superior, foram revistos os conteúdos didáticos sobre a história do negro no Brasil e teve início o reconhecimento dos territórios quilombolas. Hoje temos no Brasil uma geração de jovens negros mais escolarizados, que conhecem e têm orgulho da sua história e demandam por futuro mais igualitário.

A manutenção da igualdade racial deve ser meta de qualquer governo comprometido com o futuro do país, que tem mais de 50% de negros na sua população. Não é mimimi muito menos vitimismo. Trata-se de justiça.

Márcia Lima

Professora do Departamento de Sociologia da USP, pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e assessora do Geledés – Instituto da Mulher Negra

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