Os quilombos são comunidades complexas e diversas. Suas tradições religiosas e culturais, assim como as demandas políticas e sociais, mudam de acordo com a organização de cada grupo. O livro “O Grito dos Quilombos”, dos jornalistas Marina Lourenço e Tayguara Ribeiro, busca evidenciar a pluralidade que existe dentro desses territórios, em histórias intimamente conectadas à formação do Brasil.
“São comunidades que foram silenciadas, tiveram sua presença apagada, mas continuam extremamente atuantes”, afirma Lourenço. Hoje, no país, existem cerca de 1,3 milhão de quilombolas vivendo em 1.696 municípios, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A obra é um desdobramento da série de reportagens Quilombos do Brasil, feita pelos dois autores na Folha, em uma parceria com a Fundação Ford. A obra acrescenta histórias inéditas às já contadas na série e dá fôlego às experiências relatadas nas páginas do jornal.
Em 2023 e 2024, os jornalistas visitaram comunidades de oito estados brasileiros e acompanharam alguns dos principais desafios que os quilombos enfrentam hoje, como a luta pela titulação do território e por direitos como acesso à saúde, educação e até conexão com a internet.
“Os quilombolas não se resumem apenas a seus problemas sociais”, lembra Ribeiro. Por isso, o livro também enfatiza aspectos culturais como a preservação das celebrações do congado e do tambor de crioula, práticas gastronômicas e a relação das comunidades camponesas com o meio ambiente.
Para os autores é importante que a história dos quilombos seja contada não apenas do ponto de vista da valorização de suas origens, que remetem a movimentos de resistência da população negra no período da escravidão, mas também de como esses territórios se adaptam para criar um diálogo entre modernidade e tradição.
Figuras centrais e fontes de inspiração para o movimento negro, Zumbi dos Palmares, Dandara e Tereza de Benguela, por exemplo, integram o imaginário popular quando o assunto são quilombos.
Mas contar histórias contemporâneas, afirma Ribeiro, é mostrar que essas comunidades “não são um mundo à parte, elas também estão sendo influenciadas e influenciando outras dinâmicas da sociedade”.
Os quilombos são apresentados ao leitor a partir das vidas de moradores de diversas regiões. “São personagens reais e atuais que trazem um pouco de como foi o processo histórico de formação das comunidades”, afirma Ribeiro.
São histórias de norte a sul do país, com relatos tanto de quem descobriu pertencer a um remanescente de quilombo ao pesquisar sobre sua árvore genealógica, quanto de quem luta, há anos, pelo reconhecimento de um território ocupado há mais de um século.
O livro mostra também como o racismo, fruto de mais de 300 anos de escravidão, se atualiza ao longo das gerações. Netos e bisnetos de pessoas que foram escravizadas ainda se veem relegados a trabalhos subvalorizados ou em condições precárias.
Conhecer as histórias dos quilombos é compreender os mecanismos do racismo estrutural, mas também valorizar a herança dos diversos povos africanos da diáspora.
Lourenço conta que um dos cuidados que ela e Ribeiro tiveram durante a produção do livro foi tentar ao máximo fugir de uma imagem estereotipada e folclórica das comunidades tradicionais. “São famílias que, assim como qualquer outra família no Brasil, querem ter seus direitos garantidos.”
O Grito dos Quilombos: Histórias de Resistência de um Brasil Silenciado
Preço R$ 84,90 (264 págs.); R$ 59,90 (ebook)
Autoria Tayguara Ribeiro e Marina Lourenço