‘Memórias póstumas de Brás Cubas’: A obra que foi nosso cometa

FONTEPor Nelson Fonseca Neto, do Objetivo Sorocaba
(Foto: Imagem retirada do site Época)

Obra de Machado de Assis é o tema do terceiro texto da série que aborda os principais livros pedidos nos maiores vestibulares.

Imagine uma noite em que você consiga ver um monte de estrelas. É um céu lindo. Agora imagine um cometa iluminando o céu lindo. É de perder o fôlego. O céu sem o cometa é a literatura brasileira até 1881: belas obras no firmamento. O cometa que tira o fôlego é o romance “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. Nunca mais nossa cultura foi a mesma.

Muitos países passaram pela experiência de ver a publicação de uma obra revolucionária. Pense na Espanha na época da publicação de “Dom Quixote”. Pense na Rússia na época da publicação de “Anna Kariênina”. Não é o caso de dizermos que esses romances revolucionários são melhores que os que vinham sendo publicados até então: gosto literário é subjetivo. Mas é inegável que eles abrem portas. Chacoalham leitores e leitoras. Apresentam novas rotas para escritores e escritoras.

É uma pena que, hoje, muita gente julgue que Machado de Assis é símbolo de conservadorismo literário. Nosso maior escritor é visto como alguém pouco dado a ousadias. E é justamente o contrário. Em sua vasta obra, há vários momentos de rupturas. Sem a menor sombra de dúvida, “Memórias póstumas de Brás Cubas” é o símbolo dessa rebeldia.

Comecemos pelas questões formais. Não há a linearidade tão cara ao romance do século XIX. As primeiras páginas mostram a morte do narrador protagonista. Falando em narrador protagonista, vale destacar que a narrativa em primeira pessoa era artigo escasso na época. A preferência era pelo narrador em terceira pessoa, onisciente e onipresente. Faz sentido: a segunda metade do século XIX foi marcada pela postura distanciada do Realismo.

Falemos, agora, do conteúdo. Machado de Assis é um autor traiçoeiro, e isso é um elogio. O leitor ingênuo é facilmente seduzido pelo tom de conversa de boteco. Machado de Assis é mestre na arte de puxar o leitor pela mão. Seus personagens tornam-se amigos em poucas páginas. Muita gente acaba caindo na armadilha. Resultado: tomamos contato com as maiores atrocidades psicológicas e sociais e achamos tudo aquilo agradável. Lógico: a voz que as transmite é extremamente simpática.

Nas “Memórias póstumas de Brás Cubas”, a perversidades da escravidão são relatadas como anedotas pitorescas. Outros aspectos sórdidos da nossa sociedade são tingidos pela tinta da simpatia. Os comportamentos mais mesquinhos são apresentados como parte natural da vida.

Não é à toa que Machado de Assis é mestre absoluto na radiografia do ser humano. Sua genialidade está na maneira como apresenta essas situações. Nada de denúncia enfática. Nada de panfleto literário. Tudo embalado na voz do sujeito que se torna nosso amigo.

Por essas e outras, “Memórias póstumas de Brás Cubas” é o cometa que ainda brilha em nosso céu.

Texto: Nelson Fonseca Neto, professor do Objetivo Sorocaba.

Foto em destaque: Reprodução/ Época

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