Movimento negro busca maior representatividade na política

Enviado por / FontePor Malu Delgado, do DW

Maior visibilidade de organizações, efeitos da pandemia e impactos da crise socioeconômica impulsionam candidaturas negras nas eleições deste ano. Voto antirracista pode minar reeleição de Bolsonaro.

A expansão de movimentos e organizações antirracistas nos últimos anos têm encorajado mulheres e homens negros a se lançarem candidatos na disputa eleitoral deste ano. Os efeitos nefastos da pandemia de covid-19 e os impactos da crise socioeconômica que atingiram em especial a população negra e moradora das periferias também são outros fatores da atual conjuntura brasileira que estimulam lideranças negras a disputarem o pleito de outubro.

Representantes de diversas correntes do movimento negro brasileiro estão mais otimistas com as perspectivas de eleição de candidatas e candidatos negros no Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e governos estaduais. Essas lideranças reconhecem, no entanto, que o avanço desta representatividade dificilmente espelhará a parcela da população negra no Brasil: 56,2% dos brasileiros (percentual de pessoas que se declararam negras no Brasil na Pesquisa por Amostragem de Domicílios do IBGE de 2019, num total de quase 210 milhões de habitantes).

“É uma estratégia já combinada com o movimento negro organizando a ocupação dos espaços de poder. Não dá pra gente querer lutar contra o racismo se não estivermos em espaços estratégicos. Decidimos que ninguém vai falar por nós mais. E quem falar em nosso nome tem que falar a partir do que acumulamos de respostas à sociedade, sobre como entendemos uma sociedade livre de racismo, como combater o racismo, como as instituições, os meios de comunicação, as políticas de saúde e educação podem responder às expectativas de 56% da população brasileira, afirma Ieda Leal de Souza, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado (MNU).

Mais espaço e apoio a candidaturas de negras e negros

Duas decisões recentes, uma do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e outra do Senado, deste ano, são apontadas como alavancas para as candidaturas de negras e negros nestas eleições.

O STF decidiu que tanto recursos do Fundo Partidário quanto do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) devem ser repassados proporcionalmente a candidatos negros, ou seja, os recursos destinados a essas candidaturas deverão ser equivalentes à proporção de mulheres negras e de homens negros da agremiação.

Já o Senado aprovou a emenda constitucional (EC 111/21), que será aplicada pela primeira vez nestas eleições de outubro. Pela regra, a partir deste pleito, até 2030, serão considerados em dobro os votos dados a candidatas mulheres ou candidatos negros para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral. Isso faz com que seja vantajoso para a legenda eleger um político negro.

“Todos os grupos antirracistas estão muito determinados a construir candidaturas fortes e competitivas. Essa agenda cresceu na sociedade. Os partidos, instituições que têm como fundamento representar os setores da sociedade, estão pressionados para que candidaturas negras tenham mais espaço e apoio”, explica Douglas Belchior, ativista negro e representante da Coalizão Negra por Direitos.

No final do ano passado, Belchior se filiou ao PT e deve disputar uma vaga a deputado federal em outubro. Ainda que a proporcionalidade de recursos para candidatos negros e a emenda do Senado sejam um avanço crucial, diz ele, isso não resolverá os obstáculos: “Não temos garantias de que os partidos vão usar esses recursos que receberam a mais [de fundo partidário] com candidatos negros.”

“Quilombo simbólico” no Congresso Nacional

Tanto o MNU quanto a Coalizão Negra por Direitos evitam trabalhar com metas para eleição de negros. “Queremos eleger candidaturas representativas do movimento negro, e isso é diferente de eleger candidaturas negras a esmo. Não estamos trabalhando com números. Queremos eleger dezenas, quiçá centenas. Teremos candidaturas competitivas em todos os estados do país para os legislativos estaduais, e também para a Câmara Federal. Nosso intuito é construir um quilombo simbólico no Congresso”, afirma Belchior.

Na opinião do presidente da Central Única de Favelas (Cufa), Preto Zezé, os partidos políticos do Brasil não colocam a questão racial como tema central, e isso é obstáculo para aqueles que protagonizam esta luta. “As burocracias partidárias farão de tudo para que candidaturas negras tenham lugar, mas farão isso sem impulsionamento verdadeiro para os negros se elegerem”, lamenta. Para ele, a estratégia mais importante dos movimentos antirracistas seria privilegiar o voto para as candidatas negras. “São poderosíssimas”, diz enfatizando o papel da mulher negra na sociedade brasileira.

Surgimento de várias novas lideranças

A pauta antirracista, segundo Preto Zezé, precisa ter um enfoque nacional e alcançar todos os espectros partidários, da direita à esquerda. Ele observa, ainda, que a maior parte dos negros nas periferias estão ligados aos movimentos religiosos pentecostais conservadores, o que aumenta a probabilidade de haver candidaturas negras no campo da direita. Um dos mais importantes porta-vozes das favelas, Zezé diz estar otimista com o surgimento de varias novas lideranças, sobretudo mulheres. Ele cita, por exemplo, a ativista Tamires Souza, da Frente Nacional Antirracista (FNA).

A FNA, que surgiu há dois anos, reúne mais de 600 entidades do movimento negro com objetivo de organizar a militância contra o racismo estrutural e o racismo institucional, denunciando a exclusão dos negros nos espaços decisórios de poder. “É importante eleger negros que tenham compromisso com a luta racial e a construção de um país mais igualitário. Temos visto a nossa pauta do combate ao racismo e ao genocídio da juventude e da população negra ganharem força. O assassinato de Marielle Franco [vereadora, do Psol] em 2018 foi um recado a mulheres negras e de lá para cá uma série de lideranças negras se projetaram e se elegeram. Acho que agora isso vai se consolidar ainda mais nas Assembleias e no Congresso”, afirma Tamires, com formação em direito e especializada em segurança pública.

Para a líder da FNA, as candidaturas de negras e negros devem encontrar maior espaço em partidos de esquerda, que historicamente se comprometem com essa pauta, diz ela. Além disso, Tamires Souza, também recém-filiada ao PT e provável candidata a deputada federal, pontua que a pauta do antirracismo está intimamente ligada à democracia, que unifica hoje o campo da centro-esquerda.

Bolsonaro e voto antirracista

Para Douglas Belchior, é o voto antirracista que vai derrotar Jair Bolsonaro em outubro. Ele cita a eleição de Joe Biden, nos Estados Unidos: “Foi o voto negro que mobilizou a derrota do Trump”.

Algumas entidades, como a Uneafro, lançaram campanhas recentemente que pregam abertamente o voto contra o atual presidente. A campanha estimula a criação de comitês antirracistas no Brasil e pontua que o atual governo Bolsonaro propagou e fez crescer “a violência contra mulheres, o ódio à comunidade LGBTQIA+, o racismo contra o povo negro, quilombolas e indígenas, a destruição das florestas e do meio ambiente, a destruição das políticas sociais, o crescimento da miséria e da fome”. Foi criado um site – votoantirracista.com.br – para estimular que negros votem em negros comprometidos com a luta antirracista e que sejam criados vários comitês pelo país.

Levantamento feito em 2018 pelo Instituto Pensamentos e Ações para a Defesa da Democracia (Ipad), coordenado pela pesquisadora Marta Costta, escancarava a sub-representação negra: no Congresso: dos 513 deputados apenas 24 eram negros, e 4 estavam fora do exercício. Dos 81 senadores, havia apenas 3 negros. No governo Bolsonaro, nenhum ministro é negro; no STF, não há ministro negro, ainda que a Corte já tenha tido Joaquim Barbosa como presidente.

Nos estados, com as desincompatibilizações que ocorreram em abril para as disputas de outubro, há atualmente três governadoras negras: Fátima Bezerra (RN), Luciana Santos (PE) e Regina Souza (PI). Dos 1.060 deputados estaduais no país, só 25 são negros. Entre os 5.570 prefeitos, 1.604 declararam-se negros. Nos legislativos municipais, dos 57.838 vereadores 24.282 são negros.

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