Mulheres Negras e Transição Profunda no Brasil: Desafios para um Futuro Sustentável e Decolonial

“Deep Transition” combina análises históricas e projeções futuras para redirecionar sistemas insustentáveis rumo à sustentabilidade, enfrentando desafios como degradação ambiental e desigualdade social.

No Brasil, a aplicação do conceito exige análise da trajetória histórica e dos desafios do país. Desde a colonização e a escravidão até a industrialização, o país acumulou desigualdade racial e socioeconômica. A colonização focou na exploração de recursos naturais e na importação de africanos escravizados, criando uma sociedade desigual. A abolição da escravidão, sem integração para os negros libertos, perpetuou disparidades econômicas e sociais.

A industrialização e modernização econômica excluíram as populações negras, especialmente mulheres, e acentuou a desigualdade regional, com o desenvolvimento concentrado no Sudeste, enquanto Norte e Nordeste permaneceram marginalizados. Segundo o IBGE, em 2021, o PIB per capita do Sudeste foi de R$ 47.105, enquanto no Nordeste foi de apenas R$ 20.126.

Hoje, o Brasil enfrenta desigualdade social e racial, violência e falta de oportunidades. Mulheres negras, especialmente de pele escura, têm maiores taxas de desemprego (16,6% contra 9,2% das brancas), menores níveis educacionais (10,4% concluem o ensino superior contra 23,5% das brancas), e enfrentam uma taxa de homicídios 1,7 vezes maior, segundo o IPEA.

Para as mulheres negras de pele escura, a “Deep Transition” deve considerar racismo e exclusão. Programas de formação em ciências, tecnologia, engenharia e matemática são essenciais para aumentar suas oportunidades. Políticas públicas como igualdade salarial, apoio a empreendimentos liderados por mulheres negras, acesso a crédito e incentivos fiscais, programas de aceleração, incubadoras e mentorias podem fazer diferença significativa e são fundamentais para reduzir desigualdades raciais e de gênero. 

Em sustentabilidade, o Brasil é líder na produção de biocombustíveis, como biogás e etanol, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Em 2020, produziu cerca de 30 bilhões de litros de etanol, consolidando-se como um dos maiores produtores mundiais.

O foco na redução de queimadas pode ser menos eficaz do que investir em energias renováveis, como solar e eólica,  e reflorestamento que são mais sustentáveis e com benefícios a longo prazo, mitigando mudanças climáticas e preservando a biodiversidade.

Desenvolvimento sustentável combina crescimento econômico, inclusão social e proteção ambiental. A tragédia no Rio Grande do Sul destaca a urgência de políticas sustentáveis. A crise política, com a ascensão da extrema-direita, tem dificultado essas políticas, afetando especialmente mulheres negras. Fortalecer a democracia e garantir a participação dessas mulheres é imperativo para um futuro mais justo e sustentável.

O crime organizado no Brasil é um desafio significativo. O Comando Vermelho, presente em 21 unidades federativas e o PCC, em 23 estados, são as principais facções criminosas. Segundo a UFF, 56% da população do Rio de Janeiro vive sob controle de grupos criminosos. Além disso, 30% do território da cidade está sob domínio de narcomilícias, que combinam tráfico de drogas com controle territorial e exploração de serviços clandestinos.

Comparado a outros países, o Brasil enfrenta um cenário mais crítico de criminalidade organizada. Em países desenvolvidos, facções criminosas são menos visíveis e mais controladas pelo Estado. No Mercosul, Argentina e Uruguai têm índices de criminalidade menores, enquanto o Paraguai enfrenta desafios como rota de tráfico. Entre os BRICS, Rússia e Índia lidam com máfias e insurgências.

“Deep Transition” oferece uma estrutura valiosa para transformar sistemas insustentáveis e criar um futuro mais equitativo no Brasil. Considerar a história e os desafios das mulheres negras, especialmente das de pele escura, é essencial para garantir uma transformação inclusiva. É urgente a necessidade de políticas para superar desigualdades persistentes e promover uma sociedade mais justa para todas as pessoas.


 Referências

– Almeida, S. (2019). Racismo estrutural. Sueli Carneiro.

– IBGE (2021). Indicadores Socioeconômicos.

– PNAD (2019). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua.

– *Atlas da Violência* (2024). IPEA.

– Camargo, A. (2022). A invenção do desenvolvimento sustentável.

– Cardoso, F. H., & Faletto, E. (1979). Dependência e desenvolvimento na América Latina.

– Castells, M. (2017). Ruptura, A crise da democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar.

– Piketty, T. (2021). Une brève histoire de l’égalité. Paris: Seuil.

– Schot, J., & Kanger, L. (2016). Deep Transitions: Theorizing the long-term patterns of socio-technical change. Environmental Innovation and Societal Transitions.

– ANEEL (2021). Agência Nacional de Energia Elétrica.

– EPE (2021). Empresa de Pesquisa Energética.

– Superinteressante (2020). Canal Ciências Criminais (2023).

– Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2023).

– UFF (2023).


Luciana Soares – Futurista, gestora de políticas públicas e Estrategista de Comunicação Digital, acredito em políticas públicas para equidade e comunicação para garantir que outras narrativas sejam conhecidas. Enxergar sinais de futuros para criar lógicas decoloniais, promovendo inclusão e diversidade, impactando o presente com alegria, democracia, pessoas e tecnologia. Porque Inteligência é coisa de mulher.


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