O patrício José Cláudio Nascimento e as experiências negras de educação popular

Já são muitos os/as estudiosos/as que reconhecem a figura de Abdias do Nascimento quando se trata do ativismo negro no período pós-abolição. Isso não acontece por acaso, visto que esse intelectual negro esteve em diversas frentes de ativismo e resistência da população afro-brasileira. Entre uma das mais famosas, estava a participação na gestão do Teatro Experimental do Negro (TEN), onde com outros intelectuais negros, como Guerreiro Ramos, construiu seminários de proporção nacional. De todo modo, sabemos que ele não atuou sozinho e entre as figuras que faziam parte de sua rede de sociabilidade está o patrício negro José Cláudio Nascimento, personalidade ainda muito pouco conhecida entre os/as pesquisadores/as que investem na história do pós-emancipação e da educação brasileira. 

Em 5 de novembro de 1949, o jornal Diário Carioca reporta uma das atividades promovidas pela Conferência Nacional do Negro, capitaneada pelo já citado Teatro Experimental do Negro. A mesa daquele dia foi presidida por Abdias Nascimento com a participação de Guerreiro Ramos, sob intervenções de Edison Carneiro e Sebastião Rodrigues Alves. O jornal carioca informa que os trabalhos “decorreram num clima de grande animação” e menciona alguns dos conferencistas. Para a mesa que abordou o problema da educação do negro estiveram presentes os senhores Ironildes Rodrigues, o então jovem Haroldo Costa, Ademária Ezequiel dos Santos e José Cláudio do Nascimento. Este último nome é reconhecido aqui como uma grande peça para se compreender parte da história da educação brasileira e do ativismo negro entre as décadas de 1930 e 1950.

Possuindo o mesmo sobrenome que Abdias e Maria de Lourdes do Nascimento, mesmo não sendo parente consanguíneos, José Cláudio do Nascimento foi um indivíduo que trouxe contribuições sobre “o problema da educação do negro” nos morros e nas favelas fluminenses. No campo técnico e prático, José visou a elevação social do negro brasileiro. Mas qual foi a justificativa encontrada para convidar este professor a participar de um dos primeiros eventos desse porte, que reuniu parte significativa do ativismo e intelectualidade negra? Simples. Para além de sua importante participação em entidades políticas como a Liga dos Portuários e a Cruzada Nacional pela Educação, o professor foi o responsável pela construção de ao menos cinco escolas pelo estado do Rio de Janeiro. 

Foto do professor José Cláudio Nascimento acompanhado de seus alunos da Favela do Arará, no Rio de Janeiro Fonte: A Noite, 27 de fevereiro de 1944.

A relação entre o letramento e o ativismo dos movimentos sociais negros não é nenhuma novidade. Nas interfaces do ativismo afro-diaspórico, vemos a importância de projetos educacionais organizados e/ou voltados para as populações de cor no que hoje se compreende o Brasil desde o período escravista. No Rio de Janeiro, não foi diferente. Os métodos acionados para a concretização desses projetos poderiam ser heterogêneos, mas, em grande parte das vezes, possuíam objetivos em comum. 

Em suas primeiras aparições em jornais como Diário da Noite, A Noite e Diário Carioca, o patrício é reportado em 1938 como um dos portuários que doava materiais escolares para colégios de Blumenau, na região sul do país. Essas ações faziam parte de um movimento recorrente da Cruzada Nacional da Educação com o intuito de “nacionalizar” escolas que davam preferência a um currículo germânico. O professor aparentemente compartilhava das propostas de Getúlio Vargas, por quem, inclusive, teve pelo menos um encontro em 1942. 

Das cinco escolas as quais José Cláudio esteve à frente da gestão entre os anos de 1939 e 1956, duas delas receberam o nome de Instituto 13 de Maio e Escola José do Patrocínio, sob a justificativa de homenagear importantes momentos e personalidades da cultura negra brasileira. As outras três escolas eram: Escola Engenheiro Miranda de Carvalho, Escola de Caxias e Escola do Morro da Rocinha. Até o mesmo o número de beneficiados por seus projetos foi noticiado pelo jornal A Manhã, contabilizando pelo menos 230 alunos. Ao expandir suas escolas e ganhar cada vez mais notoriedade, o professor começou a receber auxílio de órgãos do governo do Distrito Federal (à época no Rio de Janeiro) e contar com professoras para atuar em algumas das turmas. Em matéria publicizada pelo jornal A Noite, em 27 de fevereiro de 1944, podemos visualizar qual era o olhar sobre o patrício: “Não se pode negar que José Cláudio do Nascimento é um homem útil. Não é de muitas luzes, nem sonha com láureas acadêmicas. Mas o pouco que se sabe – ou pouquíssimo, se quiserem – reparte-o generosamente com os que não sabem absolutamente nada. Poder-se-ia chamá-lo de ‘apóstolo da cartilha’… Basta-lhe chegar a um lugar sem escolas para crianças e imediatamente pensa em fundar uma. De que maneira? De qualquer uma. Não vê dificuldades, nem poupa sacrifícios”.

É importante ressaltar que as redes políticas e de sociabilidade acionadas por José Cláudio do Nascimento não foram suficientes para evitar algumas adversidades referentes aos espaços nos quais construía seus projetos. Assim foi o caso de sua escola localizada na Favela do Alegria, que foi destruída, tendo, entre as possíveis causas, a crescente especulação imobiliária naquela região. 

Fotografia anexada à reportagem sobre a destruição de casas localizadas na Favela do Parque Alegria. Fonte: Diário Carioca, 18 de fevereiro de 1945.

Por sua vez, em fotografia publicada no Diário Carioca em 1945, o professor, vestindo um terno de cor clara, aparece à frente de todos, entre os quais muitas crianças que eram seus/suas alunos/as. Chama atenção o grau de insalubridade da Favela do Alegria e a quantidade de crianças que poderiam ser contempladas pelo projeto escolar de José. 

Ainda há muitos episódios na trajetória dessa importante figura que estão ocultos, muitas perguntas não possuem respostas. Porém, as próprias notícias de jornais por si só já explicitam ao menos as representações de um professor negro que fez muito pelo letramento destes “quase-cidadãos. Entre as principais conclusões que podemos tirar de histórias como esta é a de que os projetos educacionais organizados e/ou voltados para as populações negras são menos enxergados como completas exceções às regras com as crescentes contribuições historiográficas, e que as conexões entre os ativistas dos movimentos sociais negros são muito mais fortes do que talvez possamos um dia imaginar. Como argumenta Ana Flávia Magalhães Pinto, estes homens e mulheres não atuavam de forma isolada e que, por mais complexas que elas se revelam ao olhar do pesquisador contemporâneo, as redes tecidas por indivíduos como José Cláudio do Nascimento eram mais amplas do que pensávamos até pouco tempo atrás.

Assista ao vídeo da historiadora Stephane Ramos da Costa no Acervo Cultne:


Nossas Histórias na Sala de Aula

O conteúdo desse texto atende ao previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

 

Ensino Fundamental: EF09HI04 (9º ano: Discutir a importância da participação da população negra na formação econômica, política e social do Brasil); EF09HI05 (9º ano: Identificar os processos de urbanização e modernização da sociedade brasileira e avaliar suas contradições e impactos na região em que vive); EF09HI07 (9º ano: Identificar e explicar, em meio a lógicas de inclusão e exclusão, as pautas dos povos indígenas, no contexto republicano (até 1964), e das populações afrodescendentes). 

Ensino Médio: EM13CHS601 (Identificar e analisar as demandas e os protagonismos políticos, sociais e culturais dos povos indígenas e das populações afrodescendentes (incluindo as quilombolas) no Brasil contemporâneo considerando a história das Américas e o contexto de exclusão e inclusão precária desses grupos na ordem social e econômica atual, promovendo ações para a redução das desigualdades étnico-raciais no país). 

 

Stephane Ramos da Costa 

Bacharel e Mestra em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Doutoranda em História pela Universidade de Brasília (UnB); E-mail: [email protected]; Instagram: @astephaneramos

 

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