O que aproxima os estupros coloniais dos estupros coletivos?

Compartilho trechos do didático artigo de Carolina Cunha “Cultura do estupro: você sabe de que se trata?”:

Por Fátima Oliveira Enviado para o Portal Geledés

“Na última semana, dois casos de estupro recolocaram esse tipo de violência na pauta. O assunto voltou com força – nas redes sociais e fora delas.

“Os crimes que ganharam as telas dos computadores e das TVs: uma adolescente de 16 anos foi violentada por um grupo (talvez mais de um grupo) de homens no Rio de Janeiro, e teve vídeos da agressão disponibilizados na internet. No Piauí, outra adolescente, de 17 anos, foi violentada por quatro menores e um homem de 18 anos.

“O que espanta, nos dois casos, é uma reação de ‘normalidade’, de ‘naturalidade’ com que os agressores trataram seus crimes. No caso da adolescente fluminense, o vídeo começou a circular nas redes sociais como se fosse um troféu – com a circulação do vídeo, centenas de denúncias começaram a chegar ao Ministério Público antes mesmo de a menina ir à polícia. O delegado responsável pelo caso do Piauí conta que os menores disseram julgar ‘normal’ o sexo do colega com a menina desacordada (…).

“O crime de estupro está previsto no artigo 213 do Código Penal Brasileiro. A lei brasileira de 2009 considera estupro qualquer ato libidinoso contra a vontade da vítima ou contra alguém que, por qualquer motivo, não pode oferecer resistência. Não importam as circunstâncias, se foi contra a vontade própria da pessoa ou ela está desacordada, é crime. Antes, o ato só era caracterizado quando havia conjunção carnal com violência ou grave ameaça” (Novelo Comunicação, 6.6.2016).

O estupro coletivo é a violência sexual perpetrada por mais de um agressor – crime usual em períodos de guerra, desde tempos imemoriais, e frequente em sociedades contemporâneas de alicerces patriarcais.

O estupro colonial, base da mestiçagem brasileira, foi praticado, como um direito divino, por portugueses contra índias e pelos senhores de escravos contra negras e índias durante o período colonial até a abolição da escravatura (Lei Áurea, 1888).

Então, a “cultura do estupro” descende da visão naturalizada dele até 1888 como um direito, como registrei em “A santa Nhá Chica é uma mestiça descendente do estupro colonial” do seguinte modo: “Trazidas para o Brasil na condição de trabalhadoras escravas, vítimas do estupro colonial, as africanas e suas descendentes não eram donas de seus corpos. A possibilidade de decidir sobre o próprio corpo e o exercício livre da sexualidade é uma experiência muito nova para nós, negras” – da Lei Áurea para cá (O TEMPO, 30.7.2013).

O que une o estupro colonial ao estupro coletivo é a ideologia patriarcal: o sentimento de propriedade privada, que naturaliza e banaliza o ato sexual não consentido.

Índias e negras estavam alocadas na condição de “objeto privado”, cujo “uso” era “legal”, tanto que o sexo forçado com elas nem é mencionado nas Ordenações Filipinas – ordenamento jurídico português do rei Felipe I, que data de 1603, em vigor no Brasil até 1830. O linguajar para a violência sexual da época era “estupro, rapto, aleivosia e defloramento”, quando praticados contra a mulher branca, porque “honra” era um atributo exclusivo delas!

De acordo com a filósofa Sueli Carneiro, o estupro colonial “está na base da cultura nacional, de uma forma em que a violência sexual é romantizada e a desigualdade é erotizada”, tornando “a relação subordinada das mulheres com seus senhores o pilar da decantada democracia racial no Brasil”.

Estupro é crime hediondo no Brasil – Lei 8.072, de 25 de julho de 1990. E ponto final.

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