Pessoas negras sofrem mais de pressão alta que as brancas, de acordo com o Ministério da Saúde.
Por Bianca Santana, do HuffPost Brasil
Já ouvi dizer que pressão alta não tem sintoma. Deve acreditar nisso quem nunca sentiu um calor brotar do centro do corpo e se expandir até cada centímetro de pele, pontas dos dedos, palma das mãos, olhos, testa, nuca.
Eu disse calor, mas não é exatamente isso… É uma força, uma onda, um formigar. Pressão mesmo. De dentro para fora, com um aperto maior no peito. A visão embaça, esbranquiçada, e a tontura vai amolecendo as percepções.
Pessoas negras sofrem mais de pressão arterial alta que as brancas. Mas os dados não são precisos. E as explicações são bizarras. Em um relatório do Ministério da Saúde, de 2005, encontrei:
As causas de morte materna estão relacionadas à predisposição biológica das negras para doenças como a hipertensão arterial, fatores relacionados à dificuldade de acesso e à baixa qualidade do atendimento recebido e a falta de ações e capacitação de profissionais de saúde voltadas para os riscos específicos aos quais as mulheres negras estão expostas.
Predisposição biológica!
Há quantas décadas a ciência afirma não haver diferença biológica entre as pessoas? Raça não é uma categoria biológica, mas social e política. E em muitas faculdades de medicina ainda se ensina o absurdo do relatório e de tantos estudos e artigos: que as mulheres negras têm propensão biológica à hipertensão.
Da última vez que a pressão tomou meu corpo, há umas duas horas, eu estava no sofá de casa, tentando verbalizar ao meu companheiro a dor que me rasgara nos últimos dias.
Meu irmão, com quem não tive a oportunidade de conviver, foi condenado à prisão mais uma vez. Depois de cumprir mais de cinco anos em regime fechado por uma tentativa de assalto à mão armada, ele foi acusado de tráfico de drogas.
Segundo dois policiais, ele e um colega fugiram quando viram os militares em ronda. Segundo os mesmos policiais, havia droga com um deles. Os dois foram presos, passaram mais de cinco meses aguardando julgamento e na quinta passada meu irmão foi condenado.
Enquanto tentava chorar no sofá, como quem provoca o vômito para aliviar a náusea, eu repetia que não aguentava mais. Aos 23 anos de idade, meu irmão está na cadeia desde os 18. Primeiro, por ter tentado roubar 120 reais. Agora, por uma acusação de tráfico que ele nega. Não tenho como saber se ele tinha alguma droga com ele ou não. Mas quantas pessoas eu conheço que sempre têm maconha ou cocaína nos bolsos? E quantas você conhece? Quais delas correm o risco de ir para a cadeia?
A mensagem que recebi mais cedo, de um amigo, responde:
“Oi, Bia, tudo bem? Desculpe te encher o saco, mas tô precisando de ajuda e talvez você possa me ajudar: meu cunhado, XY, é negro, periférico. Ele foi preso no sábado passado com dois baseados e a ROTA o levou até sua casa onde acharam mais 0,5 kg de maconha que ele tinha pegado pra dividir com amigos/conhecidos. Aquela coisa de maconhista. Os caras enquadraram ele como traficante e agora ele está preso. O primeiro advogado que minha irmã achou era caro e não ajudou muito. Não estava muito envolvido no caso. Minha irmã não tem muito dinheiro e a família dele é pobre mesmo. Será que você conhece alguma advogado ativista que atuaria no caso (ou pelo menos orientaria eles) cobrando pouco ou pro bonno. O mais importante seria alguém que se envolvesse com a situação. Ele é primário, sem antecedentes. Obrigado e bj.”
Estamos no esforço para que o cunhado do meu amigo volte logo para casa.
Meu irmão ainda vai passar alguns anos longe da filha de três anos de idade. Assim como passei a maior parte da vida longe do meu pai.
Há muita perda e demasiado sofrimento na comunidade negra. Devido às altas taxas de mortalidade infantil e homicídio, bem como de baixo índice de expectativa de vida, muitas mulheres negras têm sofrido duras perdas já na juventude. Especialistas na área de saúde física e mental indicam que perdas mal resolvidas podem contribuir para hipertensão, stress, depressão, ansiedade e uso excessivo de álcool e drogas.
É na jornalista Evelyn C White, em um artigo publicado no Livro da Saúde das Mulheres Negras, organizado por ela, Jurema Werneck e Maísa Mendonça, que encontro a explicação para a alta da minha pressão.