Onde está o Movimento Negro?

Sorrindo, e triste ao mesmo tempo, vou lendo a notícia do jornal o Estado de Minas sobre a descoberta de Hilda Furacão (83), vivendo em Buenos Aires.

Por:*Mônica Francisco

O sorriso, quase infantil, é por constatar que Hilda, o furacão de Minas e do Hotel Maravilhoso, é negra. A tristeza, a constatação de que querem mesmo nos alijar da vida em sociedade, em um apartheid silencioso e consensioso. Mulheres negras não têm o direito de serem mulheres e lindas no Brasil, isso é uma ofensa.

Deveria ser  proibido o branqueamento de pessoas negras. Lembram do comercial que “embranqueceu” Machado de Assis? O que faremos como negros e negras neste país para enfrentarmos com firmeza a cultura de aniquilação em todos os níveis das pessoas negras neste país?

Angela Davis, a filósofa e ativista dos Panteras Negras, disse que ao se olhar a televisão brasileira, se percebe que ela nunca permitiu a percepção de que há negros e negras no Brasil, o mesmo aos observar a composição do Senado disse ela. Somos minoria, sendo maioria, é hora de mudar o quadro, não podemos entregar à próxima geração esse fardo ainda tão pesado.

O incômodo é muito grande. As atrizes dizem: ‘vou fazer o papel de uma passista ou quituteira’, ou então, ‘uma empregada quase “da família” em um Leblon ou uma Copacabana idealizada’. É como se não se permitisse ir além do estereótipo da “mulata tipo exportação”(meu Deus). A questão não são os papéis, a questão é que são os mesmos papéis. Cristalizam-se estereótipos na ficção como os querem cristalizados na vida real, com raríssimas exceções.

Meu filho chega do pré-vestibular onde dá aula e diz que a tristeza é do tamanho do mundo, as meninas e meninos nem sequer sabem o que são as Ações Afirmativas. Dor que corta alma, é já está constatado e atestado, pessoas negras têm alma.

Andando em um grande shopping e observando as lojas, pensei em como os negros e negras sobrevivem, pois não havia nem uma pessoa negra nas lojas que vi. Não é exagero, não havia. Posso te passar o endereço se quiser constatar. Na limpeza das lojas não conta, e nem nesta condição vi também. Vi nos banheiros do shopping, pouquíssimos, mas nas lojas, nada.

Me pergunto , talvez por ignorância, onde está o Movimento Negro, onde estão as pressões para que sejamos de fato respeitados e respeitadas como seres humanos. Por que as empresas têm de obrigar as pessoas a usarem um cabelo que não é o seu? Quando tomaremos de fato uma postura firme em relação a estas atrocidades?

Quando viajam para os Estados Unidos, os brasileiros são atendidos por negras e negros, veem negros e negras em seus postos de trabalho, sejam eles quais forem, com seus cabelos loiros, trançados, coloridos ou  rastafari. Cabelo é identidade, igual a sua digital.

Aqui, como na Índia que aboliu o sistema de castas, mas que não deixou de vivenciá-lo nas suas relações cotidianas, mesmo proibido por lei. A escravidão ou melhor, suas práticas subjetivas ainda estão aí, impregnando o day by day do convívio social. Negro tem que saber seu “lugar”.

Indignados, muitos gritam contra Israel, mas vociferam, babando e apoiando a redução da maioridade penal. Dando uma rápida olhadinha na História desta nação e na atual composição das instituições de “correção” ou de “ressocialização” , educação ou o que quer que seja, de menores, e me diga quem vai pagar a pena e a cor de quem vai pagar a pena, isto é, se conseguir chegar até lá, antes de entrar na conta de alguma meta por aí.

Os menores brancos, classe média acima, que espancam quase até a morte empregadas domésticas achando que são prostitutas, queimam índios, matam avós, pais, estupram amiguinhas nas festinhas e postam na internet de “brincadeira” também vão? Ou serão só inconsequências juvenis, fruto de  imaturidade? Afinal, apesar de terem 1,80 m, são só crianças, como afirmou um pai, reiterando a conduta irrepreensível da família?

Meu Deus, aqui ainda se incomodam quando a atriz negra namora um homem branco, francês e rico. A senhora religiosa e caridosa da Tijuca disse indignada ao meu marido, ao ver acena de uma novela onde uma negra se casava com um rei e passava a ser a rainha na ficção, que aquilo era inconcebível, nunca poderia ser verdade, uma pessoa “assim”, porque é a vida, né, meu filho. Só novela mesmo.

Não quero “consentimento” para viver, ou desfrutar de minha cidade ou meu país. Quero usufruí-lo por direito. Os debates são importantes, as matérias são importantes, as campanhas de conscientização também o são, mas a tragédia já se deu, está aí. A nós, nos cabe agora repensarmos nosso futuro e  reconstruirmos esta nação.

“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.

Fonte:Jb

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