Polêmica racial encobre a ruindade do longa épico ‘Deuses do Egito’

“Deuses do Egito” é mais branco que o Oscar 2016. E, nesse caso, há um agravante: o filme se passa em um país do norte da África, e não na festa da firma em Los Angeles.
no Libre Prensa

deuses do egito

O “physique du rôle” do elenco principal parece mais apropriado para lenda celta do que para Egito antigo: tem escocês (Gerard Butler), inglês (Rufus Sewel), australianos (Brenton Thwaites, Geoffrey Rush)? todos brancos.

A ideia de diversidade de Hollywood parece ser dividir papeis de africanos entre atores do Reino Unido ?abrindo exceções para o loiro dinamarquês Nikolaj Coster-Waldau e para o americano (e negro) Chadwick Boseman.

Esse branqueamento histórico foi motivo de fortes críticas nos Estados Unidos. A ponto de a produtora Lionsgate e o diretor Alex Proyas (filho de gregos nascido no Egito e radicado na Austrália) terem de vir a público pedir desculpas.

Eles estavam apenas se apoiando em uma velha tradição hollywoodiana: Elizabeth Taylor foi “Cleópatra” (1963), Charlton Heston encarnou Moisés em “Os Dez Mandamentos” (1956) e outro dia Jake Gyllenhaal se tornou o “Príncipe da Pérsia” (2010).

Ou seja: Hollywood não mudou. E não percebeu que o mundo à volta dela sim. “Deuses do Egito” e o Oscar 2016 vieram mostrar, com o perdão do trocadilho, que isso não passará mais em branco.

Para “Deuses do Egito”, a polêmica do branqueamento teve um efeito colateral positivo: tirou o foco da ruindade do filme ?que, após meses de ataques na imprensa e nas redes sociais, estreou nesta semana.

No Brasil, ele chega com outra vantagem: o fato de estrear menos de um mês depois de “Os Dez Mandamentos” ?e possibilitar a comparação com a produção brasileira? faz o filme americano parecer menos ruim do que é.

O Egito hollywoodiano está mais para mitologia grega do que para Velho Testamento, mais para o filme “300” do que para novela editada da Record.

Aqui, os deuses são gigantes que circulam entre os homens e sangram ouro fundido. De resto, são cruéis, ciumentos e vingativos como simples mortais. Prestes a se tornar rei, o deus Horus (Nikolaj Coster-Waldau, de “Game of Thrones”) tem seus olhos arrancados por seu tio, o deus da escuridão Set (Gerard Butler, de “300”), que usurpa o trono e bane o sobrinho do reino.

Para tentar recuperar a coroa, Horus contará com a ajuda de Bek (Brenton Thwaites), ladrão de bom coração dedicado a salvar sua amada, que foi mortalmente ferida e só poderá ser revivida por um rei.

Essa trama é uma desculpa para uma confusa orgia de efeitos digitais de gosto duvidoso, de lutas grandiloquentes e intermináveis, de diálogos involuntariamente cômicos, da exposição fetichista (e homoerótica) de torsos masculinos.

É um Egito que parece saído de uma viagem de ácido de Liberace, o cantor americano conhecido pela extravagãncia.

Ok, não faz sentido pedir que um filme como “Deuses do Egito” se guie pelo conceito do “menos é mais”. Mas o excesso de tudo (ação, duração, computação gráfica) torna essa suruba cinematográfica tediosa após 15 minutos.

Faltam a “Deuses do Egito” não apenas alguns respiros, mas, acima de tudo, a capacidade de rir da própria megalomania, de se assumir como um entretenimento kitsch.

Só um ator sabe brincar com a fantasia tresloucada do filme: Chadwick Boseman, que faz do sábio deus Toth uma versão egípcia da drag queen Ru Paul. Curiosamente ou não, é o único ator não-branco do elenco principal.

O diretor Alex Proyas (de “O Corvo”) já pediu desculpas pelo branqueamento de “Deuses do Egito”. Agora falta vir a público para pedir perdão pelo resto do filme.

+ sobre o tema

Manchetes de jornal: quem atira ou quem morre?

A violência é uma constante nas manchetes dos jornais....

Os justiceiros são um sinal de alerta para a sociedade carioca

    Os episódios de “justiçamento” ocorridos nos...

O futebol desconstrói o mito da democracia racial

Discriminação contra negros em um ambiente convidativo ao preconceito...

Falta empatia para entender a Revolta dos Negros

FOI EM UMA SALA para não mais do que...

para lembrar

A mulher negra incomoda mais que o homem negro

Uma conversa com a jornalista Cristiane Damacena, vítima de...

Imagens que mostram crianças com rostos pintados de preto em escola são criticadas, no RJ

Imagens de duas atividades promovidas dentro de uma escola...

Homem tira roupa no Salvador Shopping para mostrar que não roubou; veja

Um vídeo que mostra um homem se despindo no...

PMs são acusados de agressão em Arcos

A Polícia Militar abriu inquérito para apurar denúncia...
spot_imgspot_img

Juízes não seguem o STF e barram cotistas em concursos de universidades com três vagas ou menos

Instituída há dez anos, a lei que reservou a negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos ainda enfrenta obstáculos para ser aplicada em...

Transplante bem-sucedido é exemplo para candidatos

O Rio de Janeiro inteiro, dor e delícia, tragédia e compaixão, coube na saga de dona Maria Elena Gouveia por um fígado. Moradora de...

Brasil: Relatório sobre Justiça Racial na Aplicação da Lei

Este relatório contém as conclusões do Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para o Avanço da Igualdade e Justiça Racial na Aplicação da Lei (EMLER,...
-+=