Política social do governo para mulheres fracassa

É difícil se conectar com as supostas beneficiárias

FONTEPor Flávia Oliveira, do Globo
Flávia Oliveira (Foto: João Cotta)

Por ignorância, incompetência, má-fé — ou tudo isso junto —, o governo de Jair Bolsonaro tem imensa dificuldade de acertar na política social. Por isso, para o candidato à reeleição, seja no discurso, seja na prática, é tão difícil se conectar com as supostas beneficiárias. Desde o início da campanha, o time do presidente vem enfileirando estratégias para se aproximar das eleitoras, em particular, as de baixa renda. Sem sucesso. Todas as pesquisas apontaram preferência das mulheres pelo candidato do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que bateu o adversário no primeiro turno por 6 milhões de votos, um Pará inteirinho de eleitores.

Na largada do segundo turno, Bolsonaro anunciou pagamento, em 2023, de uma 13ª parcela do Auxílio Brasil, sucessor mal elaborado do Bolsa Família. Inaugurou, com isso, a política social pré-datada, uma espécie de bolsa-fiado, pela qual a eleitora vota nele em outubro de 2022 e recebe R$ 600 em dezembro do ano seguinte. É promessa tão inédita quanto estúpida, porque carrega a evidência do erro de um programa elaborado somente para aumentar o capital político-eleitoral de um líder que jamais se preocupou com as mulheres. Nem com os pobres, os negros, os indígenas.

O benefício mínimo de R$ 600 do Auxílio Brasil é má política, porque privilegia famílias menores. Desde 2018, segundo levantamento de Tereza Campello, economista na USP, ex-ministra do Desenvolvimento Social, o total de famílias unipessoais (adulto morando sozinho) beneficiárias do Bolsa Família/Auxílio Brasil saltou de 1,8 milhão para 4,9 milhões (+172%), enquanto lares com dois ou mais membros passaram de 12,2 milhões para 15,3 milhões (+25%). A decisão de repassar um mínimo sem levar em conta o total de pessoas prejudica principalmente as mães solo, uma vez que o valor per capita diminui quanto maior o número de filhos. Quem mais precisa menos ganha.

No primeiro ano de governo, em 2019, Bolsonaro já tinha anunciado uma 13ª parcela para o Bolsa Família. O benefício foi pago uma única vez. Em 2020, em razão da pandemia da Covid-19, foi implantado o Auxílio Emergencial de R$ 600 por cinco meses. Caiu para R$ 300, foi interrompido no primeiro trimestre de 2021, o período mais letal da pandemia. Neste ano, seria de R$ 400. Às vésperas da campanha, com o aval do Congresso Nacional, voltou aos R$ 600. Mas só até dezembro. Na Lei Orçamentária que enviou ao Legislativo, o governo não incluiu Auxílio Brasil no mesmo valor em 2023. O eleitorado sabe.

A promessa de 13º às mulheres em 2023 não resolve o problema das famílias que têm fome — portanto, muita pressa — hoje. A insegurança alimentar severa alcança principalmente lares chefiados por mulheres, com crianças, negras, em área rural. O governo descuidou das brasileiras, mas implementou políticas de transferência de renda que, certamente, beneficiaram mais os homens, caso dos auxílios para caminhoneiros e taxistas. Sem falar na redução do ICMS sobre combustíveis, que barateou a gasolina e o etanol da classe média e dos ricos e retirou receitas dos estados que iriam para saúde e educação.

A boa política social necessita de foco, estabilidade e previsibilidade. As famílias se planejam se sabem quanto e quando vão receber. O vaivém dos valores aumenta a vulnerabilidade, principalmente em tempos de inflação dos alimentos. O calendário do Bolsa Família era fixo. Por causa da eleição, Bolsonaro já mexeu duas vezes na data de pagamento do Auxílio Brasil. Fez em agosto e, de novo, em outubro, na esperança de contar com o voto dos beneficiários. Ao impor flutuações, o presidente informalizou a política social, tal como ocorre no mercado de trabalho. Uma lástima.

Mulheres são maioria entre desempregados, informais, trabalhadoras domésticas com e sem carteira assinada. Ganham menos que os homens. Políticas sociais de inclusão, trabalho e renda devem levar em conta assimetrias de gênero, raça, território. O governo Bolsonaro despreza a diversidade. Por isso não produz boas medidas. Quando deixa o salário mínimo sem ganho real por quatro anos, alcança as mulheres, porque elas ganham menos. Quando congela a verba da merenda escolar igualmente as afeta, porque são as mães que precisam dar conta da comida dos filhos.

Massacra as brasileiras também quando abre mão de um Ministério da Educação como articulador das políticas estaduais e municipais, após dois anos praticamente sem aulas, em decorrência da pandemia. Se a criança não tem creche ou educação integral, a mãe não consegue dedicar mais tempo ao trabalho remunerado para dar qualidade de vida à família. Se sabota o programa de vacinação, são as crianças doentes que as levarão ao desespero. Quando corta orçamento de universidades, mina o futuro dos jovens, seus filhos e netos. Se não investe na saúde, agrava condições dos membros das famílias. E são elas as cuidadoras, remuneradas ou não.

Sem qualidade nas políticas nem argumentos, resta à equipe do presidenciável assombrar mulheres conservadoras —especialmente as evangélicas — com pautas de natureza moral, que só entraram no debate eleitoral para perturbá-las. É mais uma cortina de fumaça das muitas que o bolsonarismo cria para desviar das prioridades do eleitorado que o governo foi incapaz de enfrentar: saúde, educação, trabalho e renda, inclusão, cidadania.

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