População de rua no Brasil cresceu quase 10 vezes na última década, aponta Ipea

País tem 227.087 pessoas vivendo nas ruas, ante 21.934 em 2013; números se referem a inscrições no CadÚnico

população em situação de rua no Brasil aumentou 935,31% nos últimos dez anos, segundo levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com base em dados do CadÚnico (Cadastro Único) do governo federal. O número de pessoas cadastradas saltou de 21.934 em 2013 para 227.087 até agosto de 2023.

Entre as causas do problema estão exclusão econômica, que envolve insegurança alimentar, desemprego e déficit habitacional; ruptura de vínculos familiares; e questões de saúde, especialmente de saúde mental.

Problemas familiares ou com companheiros foram apontados como motivo para sair de casa por 47,3% das pessoas em situação de rua. O desemprego foi citado por 40,5%, enquanto alcoolismo e abuso de outras drogas foram mencionados 30,4%. Perda de moradia foi citada por 26,1%.

O levantamento foi feito por Marco Antônio Carvalho Natalino, especialista em políticas públicas e gestão governamental em exercício na diretoria de estudos e políticas sociais do Ipea.

“Quanto maior o tempo de permanência na rua, maior a probabilidade de problemas com familiares e companheiros ser um dos principais motivos que levou a pessoa à situação de rua. O mesmo ocorre, e de forma ainda mais intensa, com os motivos de saúde, particularmente o uso abusivo de álcool e outras drogas. As razões econômicas, por sua vez, tais como o desemprego, estão associadas a episódios de rua de mais curta duração”, diz Natalino, no estudo.

A análise aponta que 60% das pessoas em situação de rua não vivem na cidade em que nasceram, mas 70% delas vivem no mesmo estado de nascimento. O levantamento mostra ainda que, no geral, o movimento é das periferias em direção aos centros metropolitanos.

Do total de pessoas em situação de rua no Brasil, 10.586 são estrangeiros (4,7%), sendo 3.175 da Venezuela, 423 de outros países latino-americanos e caribenhos, 3.387 de Angola, 635 de outros países africanos, e 1.587 de países da Ásia.

Ainda segundo o estudo do Ipea, 69% das pessoas em situação de rua são negras (51% pardos e 18% pretos).

A idade média das pessoas nas ruas é 41 anos. Os jovens entre 18 e 29 anos somam 15% do total, e aqueles com idade de 50 a 64 anos correspondem a 22%. Crianças e adolescentes somam 2,5%, e idosos, 3,4%.

Entre as causas para o aumento da quantidade de pessoas em situação de rua nos últimos dez anos, Natalino ressalta que há quase uma década o Brasil enfrenta crises econômicas sucessivas, inclusive com a volta da insegurança alimentar grave e da fome, situação agravada pela pandemia de Covid-19.

Diante do cenário, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou, em julho deste ano, que estados e municípios deveriam seguir diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua.

O autor do levantamento afirma que, nos últimos anos, o CadÚnico se consolidou como a principal fonte de informações sobre a população em situação de vulnerabilidade social no Brasil.

“Doze anos atrás não havia ninguém cadastrado como população de rua no Cadastro Único porque nem existia lugar para marcar isso [no formulário]. O que cresceu é o número de pessoas em situação de rua cadastradas, e agora essas pessoas vão conseguir ter acesso aos programas sociais”, diz Natalino, lembrando que o número real de pessoas vivendo nas ruas é ainda maior, justamente porque nem todas estão cadastradas.

O especialista afirma que o levantamento joga luz sobre questões urgentes.

“Um ponto que chama atenção é que, entre as crianças e adolescentes de 7 a 15 anos, só 56% estão matriculadas na escola. É um número muito menor do que da população em geral, que já está quase universalizado há um bom tempo”, diz.

Entre a população adulta, 70% têm alguma atividade de geração de renda, mas apenas 1% trabalha com carteira assinada.

Outro ponto, diz Natalino, é que parte dessa população é elegível ao Bolsa Família, mas não recebe o benefício muitas vezes por falta de documentos.

Para Robson Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo, a pandemia agravou a situação.

“E ainda não melhorou. Houve reintegrações de posse, o poder aquisitivo caiu. As pessoas precisam escolher se vão pagar a comida, o remédio ou o aluguel”, afirma.

Na avaliação de Mendonça, estados e municípios não estão preparados para receber esse volume de pessoas em situação de rua.

“É preciso uma política pública séria, com cadastro de todas as pessoas para que recebam os benefícios necessários. O déficit habitacional é muito grande. É preciso criar alternativas habitacionais, pois sem endereço não há emprego, não há dignidade”, diz.

Ele afirma, contudo, que não há necessidade de criar novas leis. “É só colocar em prática as leis existentes. A Constituição é clara com relação ao direito à moradia, educação, cultura. Tudo está na lei, mas não é cumprido.”

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