Por que as mulheres são estupradas, segundo a polícia – Por: Nádia Lapa

Policial catarinense dá dicas para as mulheres evitarem estupro. Além de ineficientes, as dicas mostram o despreparo da segurança pública ao tratar de crime tão delicado

Um estuprador atacou uma mulher em Blumenau, Santa Catarina, e a violência física foi tamanha que ela faleceu. Encontraram a vítima na manhã do último sábado (23). As informações são do G1, que traz uma fala de uma policial da cidade:

“A Polícia Militar disse ao G1 que o número de ocorrências envolvendo estupros na cidade aumentou nos últimos meses e por isso, orienta para que as mulheres busquem utilizar ruas e vias iluminadas e com movimentação de pessoas e evitem circular desacompanhada em horários com menos movimento, como à noite e início da manhã. “Se a pessoa mora sozinha, uma dica é também evitar chegar sempre no mesmo horário do trabalho. Além disso, tentar andar acompanhada. A presença de duas mulheres já inibe mais a ação. Se percorre o trajeto à pé, se possível, buscar caminhos diferentes, por que é a oportunidade que gera a ação”, explica a Segundo a Sargento Cristina Moreira, da Central de Emergência da Polícia Militar”.

Há dois anos, o policial canadense Michael Sanguinetti também deu uma super dica para as mulheres se protegerem de estupros: “parem de se vestir como vadias”. As mulheres não se calaram; a partir desse comentário absurdo do policial, surgiu a Marcha das Vadias. De Toronto para o resto do mundo.

Diante de um crime bárbaro como o estupro, procura-se explicações para o acontecido. Deve ser muito difícil simplesmente assumir que entre nós há pessoas capazes de tamanha atrocidade; porém, os números não mentem. No Hospital Pérola Byington, em São Paulo, são atendidas 15 vítimas de violência sexual por dia. Com estatísticas assustadoras, natural buscar-se métodos para evitar novos crimes.

O problema é focar na potencial vítima, e não no agressor.

Toda mulher aprende desde novinha como se comportar para não ser assediada/violentada/abusada. Os conselhos, em geral, são:

– Não use roupa curta ou decotada;

– Não saia sozinha;

– Não ande em ruas desertas ou escuras;

– Não aceite bebida de desconhecidos;

– Não beba com desconhecidos;

– Não abra a porta da sua casa para desconhecidos;

– Não faça sexo casual;

– Não, não e não. Todos os “nãos” possíveis e imagináveis. Alguns inimagináveis também.

A policial catarinense ainda deu uma nova sugestão: “se morar sozinha, evite chegar do trabalho sempre no mesmo horário”. O que a pessoa vai ficar fazendo? Depois de passar o dia trabalhando, vai ter que criar mecanismos para enganar um agressor? Passear no shopping? Ir ao bar beber umas cervejas – e, ops, isso não pode! O que fazer, então?

Claro que eu não tenho a resposta. Mas acho preocupante quando pessoas que deveriam ser especialistas em segurança pública têm o discurso de culpabilização da vítima. O que elas esperam? Que as mulheres fiquem trancafiadas em casa? O estupro é ao mesmo tempo um crime uma ferramenta de controle social. Segundo Jill Filipovic, colunista do Guardian, “mostrar o estupro como algo que acontece fora de casa reforma a ideia de que as mulheres estão seguras em ambiente doméstico, e em risco se elas saírem” (tradução minha). O que não é verdade, uma vez que a maioria dos estupradores são conhecidos da vítima.

As dicas para “evitar o estupro” podem até ser bem intencionadas, quando elas vêm de um amigo ou um familiar (de um profissional de segurança pública, nunca). Porém, elas dão a impressão de que há como escapar de um crime sexual. Se aconteceu com você, é porque “você não se cuidou o bastante”, e isso gera culpa na vítima. Neste panorama, dificilmente ela irá registrar a ocorrência ou procurar ajuda.

O discurso de Michael Sanguinetti, lá no Canadá, e de Cristina Moreira, aqui em Blumenau, em vez de ajudar as vítimas, piora ainda mais a situação. Precisamos olhar o estupro como um crime de cunho social. Não é apenas a violência de um indivíduo contra outro; o contexto social precisa ser melhor avaliado. E os responsáveis pela nossa segurança precisam se preparar melhor para tratar de assunto tão delicado.

Fonte: Feminismo pra quê?

+ sobre o tema

Hoje 24/02 – Ativista feminista Negra Lélia Gonzalez é a homenageada do Projeto Memória

“Lélia Gonzalez: O feminismo negro no palco da história”,...

Capacitação de mulheres é chave para desenvolvimento sustentável

Vice-secretária-geral da ONU, Asha-Rose Migiro, diz na abertura da...

Especialistas avaliam que há racismo na produção audiovisual

Convencionou-se chamar de negros a soma dos grupos populacionais...

Cláudio Nascimento atribui assassinato de Guinha à homofobia de traficantes

Militante LGBT, ativista era ex-travesti e organizava a Parada...

para lembrar

Negras quebram barreiras ao conquistar poder no jornalismo

Globo, Band e CNN Brasil estão entre os canais...

Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa! por Sueli Carneiro

Caros blogueiros progressistas, nas eleições de 1996 para a...

A etnia luo: o povo de Barack Obama em estilosa celebração

ENFIM, A CASA BRANCA CONTINUA PRETA E LAICA Por: Fátima...

Projeto “Agitando a Resistência Negra!”

Algumas das principais lideranças femininas negras da atualidade estarão...
spot_imgspot_img

Mulher negra é a maior vítima do racismo diário, mostra levantamento

O crime de racismo sofrido pela ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral, Vera Lúcia Santana, na semana passada, apenas confirma a violência que a população...

Organizações sociais e filantrópicas de todo Brasil reúnem-se para apoiar planejamento estratégico de comunicação para a 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras

Nos dias 19, 20 e 21 de maio, o Comitê Nacional da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver promoveu o Planejamento...

ONGs promovem evento sobre justiça racial e inclusão digital em Salvador

Nos dias 28 e 29 de maio, das 14h às 19h, Salvador (BA) será palco do evento gratuito "Conexões para o Bem Viver: Reparação,...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.