Por que me envergonho do meu País

No ano da graça de 1900, um camarada chamado Afonso Celso escreveu um livro intitulado Porque me ufano do meu País.

Por Alexandre Andrada Do Brasil Post

No texto, o autor cita as características que fazem desse País tropical um impávido colosso, gigante e bonito pela própria natureza.

São onze os motivos de seu ufanismo, tais como a vastidão de nosso território, as belezas naturais de nosso País, seu clima ameno, a ausência de desastres naturais, as riquezas de nosso solo, a miscigenação de nosso povo, etc.

Todos os clichês que você já ouviu sobre o Brasil ser o paraíso na terra – ao menos em potencial – estão no referido texto.

O autor elenca ainda motivos menos nobres, como o fato de termos vencido a guerra contra o Paraguai.

O nacionalismo não raro sorri um sorriso predatório, daqueles em que não basta eu ser o melhor, é preciso esmagar os adversários. Por isso acredito que é preciso cuidado redobrado com aqueles excessivamente patriotas.

Eu certamente não ficarei na história, como ficou Afonso Celso. Em todo caso, escrevo aqui um breve tratado intitulado Por que me envergonho do meu país (nestes últimos meses.

Não pretendo aqui falar de mazelas históricas de nosso País, como o massacre de índios, a escravidão dos negros que durou até o dia de ontem (falando em termos históricos), das centenas de milhares que morreram de fome, ou coisa parecida.

Aí a lista seria grande demais e exigiria talento que não possuo.

Fiquemos nas vergonhas mais recentes.

Eis os motivos pelos quais me envergonho do meu País:

Primeiro motivo – Vivo em um País onde um dos mais famosos congressistas é um crápula lambe-botas de milicos, que em seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff rendeu homenagens a outro crápula, notório e covarde torturador.

Políticos imbecis não são exclusividades do Brasil – tem-se aí Donald Trump pela praça, por exemplo, para provar esse ponto – mas a existências de imbecis estrangeiros não tornam os nossos imbecis menos crápulas.

E um deputado que se utiliza de um espaço democrático para louvar a tortura e o torturador merece a lata de lixo da história.

Segundo motivo – Vivo em um País no qual um outro congressista pop-star se comporta feito bicho: cuspiu na cara de um adversário e saiu se esgueirando feito um rato, em busca de um porto seguro para suas carnes trêmulas.

Há poucos atos tão baixos e medíocres quanto cuspir na cara de um outro ser humano. Mas cuspir e sair correndo é simplesmente “inadjetivável”.

O cuspe torna o murro na cara um gesto nobre, aristocrático, quase um elogio ao adversário.

E o congressista já faz escola. Um ator de quinta categoria aderiu a essa moda de lavar a honra com saliva.

Terceiro motivo – Vivo em um País em que um número não desprezível de pessoas se regozija quando o seu deputado favorito louva um torturador em plena Câmara dos Deputados. E outra multidão se regozija quando seu deputado cospe na cara de um adversário.

Quem louva a tortura, torturador o é.

Quem cospe na cara do outro, é bem capaz de torturá-lo se tiver a chance.

Fico pensando em quantas caras o coronel-torturador-canalha também não cuspiu em sua patética e covarde vida.

Quarto motivo – Vivo em um País no qual uma ciclovia inaugurada em janeiro de 2016, desaba três meses depois, deixando ao menos duas pessoas mortas.

E nesse mesmo País, nessa mesma cidade, as pessoas são capazes de continuar sua partida de futebol e seu copo de cerveja ao lado de dois cadáveres, como se tudo isso fosse rotina.

A cidade do Rio de Janeiro se prepara para receber a Olímpiada sendo governada por Eduardo Paes – o amante de Maricá – e estando sitiada ainda pelo crime, pela pobreza e pela picaretagem.

Triste baia da Guanabara…

Ciclovia construída por empresa da família de secretário, desaba matando ao menos duas pessoas. A narrativa de um país de picaretas.

Quinto motivo – Vivo em um País no qual em vários bairros, de várias cidades, o fato de se topar com um cadáver à luz do dia é coisa que já não causa espanto. É coisa corriqueira, em verdade.

Um País no qual o assassinato é tão comum quanto as discussões de trânsito. Um País no qual uma vida não vale absolutamente nada. Um País cujas cidades estão entre as mais violentas do mundo.

E, por isso mesmo, as pessoas não se incomodam em continuar sua diversão sob a vista de duas pessoas recém-mortas pela incompetência do governo.

Em uma situação normal, a visão de um cadáver recente de um cachorro já é suficiente para tirar o ânimo, que dirá de duas pessoas, com nomes, histórias, descendentes.

Há ainda outros motivos.

Como os assassinatos de gentes, bichos e plantas em Mariana por conta da irresponsabilidade criminosa e premeditada de uma empresa.

Como os decapitados do presídio de Pedrinhas. Um dos tantos exemplos do fracasso do sistema penitenciário do país. Em vez de lugares de punição e ressocialização, o que temos são experimentos de inclinação nazista de afloramento dos instintos mais baixos dos homens.

Enfim, a lista é longa.

Melhor parar por aqui com essa evocação de mazelas e desgraças.

É isso, o País do futuro virou o país da escarrada.

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