Pretos e pretas sofrem mais nesta pandemia, em que a classe média não abre mão de suas escravas domésticas.

As comunidades remanescentes de quilombos no Brasil sofrem mais uma vez com o descaso do Estado brasileiro. Governos federal, estadual e municipal se omitem no atendimento aos pobres, na sua maioria esmagadora negros. Estão aliados a empresários inescrupulosos que visam o lucro e desprezam a vida e à classe media que não quer limpar o chão e não pode prescindir de suas escravas domésticas. Os negros estão entregues à própria sorte.

O ataque às comunidades de Alcântara (Maranhão) em plena pandemia, promovida pelo governo brasileiro, com ameaça de deslocamento, já denunciado em outro momento, se aprofunda agora no auge da crise, com um número elevado da população quilombola em todo brasil, infectada pelo coronavírus.

Em recente artigo publicado pela doutora Yanne Teles, denunciando as filas de pobres na Caixa, em busca do auxílio, que deveria ser da vida, mas que tem cheiro de morte, as fotos feitas nas agências dão conta da gravidade e do descaso do Estado brasileiro com seu povo, e a maioria esmagadora é de pretos e pretas.

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, em sua página nas redes sociais, faz grave denúncia e o acompanhamento diário da situação nas comunidades.

O boletim emitido no dia 6 de maio 2020 dá conta de que os Estados do Amapá, Bahia, Goiás, Maranhão, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro, lideram os casos de óbitos nessas comunidades. Os casos confirmados estão nos mesmos estados, mais o Ceará. Os números falam por si. No dia 1o. de maio foram 11 óbitos, dia 6, 18 óbitos. Os casos confirmados saltaram de 37 para 63, em seis dias. Assim são 18 óbitos, 1 suspeito; 63 casos confirmados, 36 monitorados. O Amapá lidera o número de óbitos, sete em uma semana. As comunidades são muito próximas da capital, Macapá.

A negação do vírus, promovida pelo presidente da repuública e seu maléfico exemplo, terá consequências desastrosas para a população mais vulnerável. Sim, porque os ricos, por exemplo do Pará e Amazonas, pagam fortunas nos jatinhos e saem em busca de tratamento em Brasilia ou São Paulo.

A maioria dos hospitais públicos não dispõe de vagas e o ministro da saúde se opõe à ocupação dos hospitais privados, na contramão das atitudes tomadas por países como Itália e Espanha. Típico gesto de uma autoridade que escolhe quem vive e quem morre, ao menos quanto ao atendimento eficaz. É o que vem sendo chamado por especialistas de necropolítica.

O Estado Brasileiro será mais uma vez responsabilizado pelo abandono das comunidades negras. O discurso de ódio, o racismo e o desprezo pelos negros expressados já na campanha eleitoral pelo atual presidente, desde então já revelava sua conduta indigna, desumana e mortal com aqueles que são constitucionalmente reconhecidos como formadores da sociedade brasileira.

Vidas negras importam sim!

Que Oxalá lhes protejam e seja implacável com seus algozes.

 

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Ana Maria Oliveira, advogada, foi procuradora-chefe da Fundação Cultural Palmares de 2004/08, membro da Associação Brasileira de Jurista pela Democracia-ABJD.

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