Sobre o machismo e a Emma Watson

De todos os preconceitos presentes no inconsciente coletivo, o machismo certamente é o mais letal e sem dúvida o mais difícil de extirpar, principalmente por contar com oprimidas e opressores muitas vezes do mesmo lado.

 

Por:  no Brasil Post 

 

Percebo conceitos machistas diariamente em afirmações, acontecimentos e tradições de nossas culturas e da sociedade em geral que, na maioria das vezes nem nos damos conta de quão embebidas de puro e velho machismo elas estão.

Em uma mesa de bar começa um papo sobre a gravidez da mulher do fulaninho. E já começam as piadas dos colegas de bar “se prepare, se for mulher… já viu” e alguém sempre solta a famosa: “eu não tenho preferência de sexo, mas acho que homem é mais fácil de lidar. Dá menos preocupações” Oi???

Ainda bem que você não tem preferência! Ufa! Não resisto e lanço a provocação: “Mais fácil por quê?”, “Ahhh porque sim” (yes, machistas e preconceituosos em geral são exímios argumentadores!), “Diga, porque você acha que criar um menino é mais fácil”.

E aí começam as pérolas machistas que, para minha tristeza e indignação, a maioria das mulheres da mesa endossa e apoia.

“Não precisa ficar cuidando tanto com roupa, se vai se sujar ou não”
“Não precisa ficar preocupado quando ele sai a noite se vai parar na casa de alguém…”
“Não precisa se preocupar se vai ser ‘rodada’ ou se vão jogar um vídeo na internet e acabar com a vida dela…”
“Não precisa se preocupar com gravidez na adolescência”

Muitas pessoas não percebem o machismo embutido nas declarações ou o quanto ter pensamentos e atitudes como essas reforçam as desigualdades de gênero e, consequentemente, os abusos e violências praticados no mundo todo contra mulheres.

Segundo dados da ONU cerca de 70% das mulheres sofrem algum tipo de violência no decorrer de sua vida. Será coincidência?

Será coincidência o tanto de homens que acreditam que uma mulher quem tem múltiplos parceiros e é exposta “faz por merecer”? Ou que “quem tira fotos nuas não pode reclamar depois se divulgarem a sua intimidade, pois ela deveria ter se dado ao respeito”?

Será coincidência a quantidade de homens que abandonam financeira e emocionalmente seus filhos, já que a preocupação de gravidez seria apenas do pai da menina?

Mas um dos temas mais sutis e polêmicos em que quase que 100% das pessoas inconscientemente reforçam o preconceito e a desigualdade de gênero é a questão gravidez vs. mercado de trabalho ou novo emprego.

Praticamente todas as pessoas com quem eu converso acham que uma empresa não deveria contratar uma mulher que diga que quer engravidar em breve e acham correto que essa pergunta seja feita na entrevista (quais seus planos de filhos).

Essa para mim é a chave de tudo. A licença maternidade é a bola de ferro nos nossos pés. É o que nos colocará sempre em desvantagens na briga por uma promoção e o pior de tudo é que muitas mulheres acreditam que largaram a carreira para cuidar dos filhos por escolha própria. Algumas o fizeram. A maioria não… a maioria foi condicionada a isso no D1 de quando entraram no mercado de trabalho através de mensagens subliminares, observação inconsciente e, principalmente, de uma situação injusta e desequilibrada nesse mercado machista. E essa falsa escolha perpetua o machismo não apenas diretamente por tirar muitos talentos femininos do mercado de trabalho. Vai além pois, inconscientemente, ensina aos filhos e filhas dessas mulheres que esse é o papel da mulher: renunciar em algum momento à sua carreira pela maternidade, ao passo que o homem deve trabalhar para, sempre que possível, ser o principal provedor da família. A cultura machista nos ensina que mulher pode trabalhar e trabalhar muito sim, mas por necessidade e não por prazer como os homens.

As empresas precisam de mais mulheres entre seus lideres e as famílias precisam de seus homens mais em casa. Os filhos precisam de pai como precisam de mãe, eles precisam de amor e atenção!

Enquanto a sociedade não entender isso, esse cenário nunca vai mudar, pois pelo simples fato de serem férteis e “poderem um dia engravidar” mulheres estarão sempre em desvantagem.

E por isso é tão importante, como medida imediata acabar com a licença maternidade e instituir uma licença familiar para homens e mulheres que tenham filhos. Sejam esses filhos biológicos ou adotivos, sejam de dois homens, duas mulheres ou um homem e uma mulher, ou um homem ou uma mulher.

As crianças e a sociedade se fortalecem e o preconceito diminui ao passo que os x meses serão uma premissa de todos os seres humanos do planeta, seja qual for seu sexo e sua sexualidade.

Eu mesma já tive pensamentos machistas e atitudes das quais não me orgulho nesse sentido, e, de certa forma, perpetuei em alguns momentos algumas das frases acima. O importante é refletir, é mudar, é entender o impacto disso naquilo e assim por diante… O importante é evoluir! E fazer com que nossa sociedade de amanhã seja melhor do que a de hoje.

Para finalizar, destaco 4 pontos tão simples e óbvios quanto urgentes e necessários do discurso “He for She” da jovem atriz britânica Emma Watson como Embaixadora da Boa Vontade da ONU deu recentemente no Uruguai.

Nada do que ela disse é novo nem nada que não esteja sendo dito por homens e mulheres mais ou menos anônimos que lutam diariamente por direitos e oportunidades iguais, ainda assim, dados recentes demonstram que a desigualdade entre homens e mulheres piorou no Brasil*. Daí a importância ainda maior da reflexão de cada um de nós.

  • Homens devem aderir ao feminismo

“Se não se obriga um homem a acreditar que precisa ser agressivo, a mulher não será submissa. Se não se ensina a um homem que tem de ser controlador, a mulher não será controlada”.

  • Homens e mulheres devem ter os mesmos direitos e oportunidades

“O feminismo, por definição, é acreditar que tanto homens como mulheres devem ter direitos e oportunidades iguais. É a teoria política, econômica e social da igualdade de sexos”.

  • Mulheres devem ter direito de decidir sobre seu próprio corpo

“Mereço o mesmo respeito que um homem, mas lamentavelmente não existe um país no mundo no qual todas as mulheres recebam esses direitos”.

  • É preciso agir agora

“Se não for eu, quem? Se não for agora, quando?”

Já diria a grande Simone: “Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância”.

 

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