Coletivo Leila Diniz: Nota de repúdio ao artista Artur Soares e ao Prêmio Hangar de Música

Coletivo Leila Diniz posta no facebook uma nota de repúdio ao artista Artur Soares e ao Prêmio Hangar de Música

Do Facebook do Coletivo Leila Diniz

O cantar ou escutar uma canção é capaz de desencadear fortes efeitos emocionais numa pessoa. Tristeza, alegria, nostalgia, raiva, etc. Por isso, dentre tantas manifestações artísticas, a música é uma das mais fortes influências culturais. Por vezes desperta bons sentimentos, desejos, parafraseando Belchior: desejo de amar e mudar as coisas. Mas nem sempre.

Uma vez que, as práticas musicais não podem ser dissociadas do contexto cultural, podemos pensá-la de duas formas:

1. Meio de transmissão de valores, sonhos, ideais e luta. Como exemplo, basta relembrar o vasto conteúdo musical, símbolo de resistência coletiva, criado na época da ditadura.

2. Reprodução de preconceitos como a objetificação do corpo da mulher, racismo, homofobia, dentre outros.

Em tempos de Felicianos, Aécios e Bolsonaros, o jovem artista potiguar, Artur Soares, artista potiguar, escolheu a segunda opção. Este ano, ele lançou a faixa e videoclipe “Ma Nêga”. Segue trechos da música em questão:

“Trago uma coca-cola pra você pra combinar com sua cor, pretinha”

“Nêga, você vai gostar. Nêga, eu vou te prender na senzala iorubá e o que eu ensinar você vai ter que aprender, porque eu vou te maltratar, pretinha”

“Pretinha (calada)”

Para quem tiver dúvidas sobre o contexto, segue a letra completa: http://letras.mus.br/artur-soares/ma-nega/

Nêga, se você me quiser
Vou aos tempos de escola
Eu aprendo a jogar bola
Trago uma coca-cola pra você
Pra combinar com sua cor, pretinha

Nêga, se você me quiser
Eu boto seu nome na poesia
Eu largo a cachaça, a boemia
Trabalho, aposento o baralho
E lhe dou a garantia:

Nêga, você vai gostar
Nêga, eu vou te prender
Na senzala iorubá
E o que eu ensinar
Você vai ter que aprender
Porque eu vou te maltratar
Pretinha

Mas a nêga quer?
Quer não
A nêga vai?
Vai não
Mas a nêga vai?
Vai nada!
A nêga mergulha e nada
E vai e vem, calada
E vem e vai, calada

Pretinha (calada)
Danada (pretinha)
Malvada (danada)
Pretinha (pretinha)
Calada (doidinha)
Doidinha (calada)
Pretinha (pretinha)
Pretinha

Desde o lançamento, Artur foi chamado atenção diversas vezes sobre o forte racismo na sua música. A resposta? deboche. E é o que ele continua a fazer diante de quem não se cala.

Artur Soares se apropria de uma dor histórica, como a escravidão e a violência sexual a que eram submetidas as escravas mulheres, para vender sua música.

O cantor não parece compreender que os respingos dessa dor ainda predomina na realidade da população negra, sobretudo das mulheres, e “Ma Nêga” vem rememorar e legitimar a violência colonial perpetrada pelos sinhôzinhos sobre nós.

Artur Soares2

Quando um artista potiguar abre a boca pra cantar que vai prender a negra na senzala, diz que vai maltratá-la, a manda ficar calada, e por isso ainda vai concorrer a um prêmio, NÃO PODEMOS NOS CALAR, o que, inclusive, ele pede na música!

Sobretudo num mês importante como Novembro, marcado especialmente pelos dias 20 (Dia da Consciência Negra) e 25 (Dia da não-violência contra a mulher). Nesse contexto tão importante de luta, nós, do Coletivo Autônomo Feminista Leila Diniz, não poderíamos deixar de vir à público manifestar nosso REPÚDIO ao artista Artur Soares.

Também REPUDIAMOS e convidamos todxs a BOICOTAR os meios e espaços culturais (Prêmio Hangar de Música, Eco Praça, dentre outros) que tem recebido e reconhecido Artur Soares, até que haja retrat(ação) do artista e recusa pública em receber esse tipo de música.

 

Veja também:
12 músicas que são extremamente machistas e que você canta sem perceber

+ sobre o tema

Polícia Militar ajuda a reduzir a violência doméstica a mulheres em Cataguases

Uma queda de 10% no índice de violência doméstica...

Blogueira enumera as cinco cantadas racistas mais comuns

"Você é uma morena muito bonita." "Você tem os...

Faculdade de Medicina da USP suspende por seis meses aluno acusado de estupros

Direção da instituição aplicou pena ‘em razão de infrações...

para lembrar

Falabella: as mulheres negras já inauguraram um tempo novo!

O tempo nos ensina que mesmo quando certas coisas são...

Igualdade de gênero e 5 paródias que eliminam as barreiras entre o humor e a política

Feministas estão lutando pela igualdade factual entre homens e...

Autora e autoridade da própria história

'Aprendi mais com o candomblé do que na universidade',...

Coletivo viajará com projeto educativo que tem tranças e turbantes como ferramentas

Todas são da capital de São Paulo. Denna Hill,...
spot_imgspot_img

Aos 90 anos, Lélia Gonzalez se mantém viva enquanto militante e intelectual

Ainda me lembro do dia em que vi Lélia Gonzalez pela primeira vez. Foi em 1988, na sede do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), órgão...

Legado de Lélia Gonzalez é tema de debates e mostra no CCBB-RJ

A atriz Zezé Motta nunca mais se esqueceu da primeira frase da filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez, na aula inaugural de um curso sobre...

Pessoas trans negras pedem respeito e acesso a políticas públicas

Educação de qualidade, respeito institucional e formação profissional estão entre as principais demandas de travestis e transexuais negras e negros no Brasil, segundo o...
-+=