Algumas reflexões sobre a importância da escolha da primeira Miss Japão afro-descendente em um país considerado etnicamente homogêneo
por Alexandre Nagado no Sushi Pop
No último dia 12 de março, foi escolhida a representante japonesa do tradicional concurso de beleza Miss Universo. E a vencedora foi Ariana Miyamoto, 20 anos, nascida na província de Nagasaki e também a primeira Miss Universo – Japão que é afro-descendente.
A surpresa foi mundial e não tardaram a aparecer críticas à sua escolha. Uns, dizendo que ela não é “japonesa o suficiente”, mesmo tendo ela nascido no Japão, falando como uma nativa (que é) e sendo treinada em caligrafia tradicional. Ainda, fãs da cultura japonesa pelo mundo também protestaram, dando lamentáveis demonstrações de racismo.
Na verdade, esse tipo de concurso de beleza que exalta característica étnicas vai fazendo cada vez menos sentido, na medida em que os povos vão se tornando cada vez mais miscigenados. Sobre isso, no Brasil ainda existem resquícios de concursos de beleza da colônia japonesa, que são normalmente dominados por mestiças e até descendentes que pouco ou nada têm dos chamados traços orientais, apenas o sobrenome ou nem isso.
Questões sobre o que é pertencer ou não a um povo ou uma raça existem de modo forte no mundo todo, e o multirracial Brasil não é exceção. Na mídia fala-se muito que o povo brasileiro é miscigenado, que a típica mulher brasileira é fruto de várias raças e há todo um discurso que exclui muita gente dessa “brasilidade genuína”.
Alguém como eu, que é descendente de japoneses nascido aqui e não tem miscigenação alguma acaba nunca sendo visto como brasileiro por muita gente. Até hoje sou chamado de japonês e, não raro, ouço piadinhas racistas sobre japonês, chinês e coreano “ser tudo a mesma coisa”. Mas voltemos ao caso de Ariana Miyamoto, que o foco proposto aqui é refletir a condição dos negros no Japão.
Filha de mãe japonesa e pai americano, a bela Ariana é resultado de um processo tímido e lento de inserção de ocidentais e mestiços na sociedade japonesa.
A presença de brasileiros já foi bastante grande no Japão, chegando a 200 mil no auge do movimento dekassegui nos anos 1990 e ainda há muitos brasileiros vivendo lá. E há também milhares de trabalhadores vindos do sudeste asiático e do oriente médio, disputando com os brasileiros espaço nas linhas de produção. Grande parte desses estrangeiros nunca se misturou à sociedade japonesa, vivendo com o sentimento de colônia fechada. Nada disso causou muito impacto perante o povo japonês, por serem pessoas mais “invisíveis” socialmente devido ao tipo de trabalho que realizam.
Para os japoneses em geral, a ideia de racismo não é bem trabalhada e definida, mas sem dúvida existe e é forte. Enquanto admiram ícones da cultura ocidental – negros ou brancos, há fortes sentimentos de preconceito contra outros povos asiáticos. Mas com a figura dos afro-descendentes, há muito mais estranhamento do que racismo propriamente dito. Até pela quantidade reduzida de negros vivendo em um país que é conhecido por uma suposta homogeneidade étnica. Essa ideia, inclusive, tem sido muito contestada por pesquisadores de diversas áreas.
Atualmente sabe-se que o arquipélago do Japão foi povoado por pessoas vindas de diferentes pontos do oriente, sendo bem mais miscigenado do que se imaginava. E o povo de Okinawa, na parte sul do Japão, sempre foi facilmente identificado por sua pele mais morena do que os japoneses do resto do arquipélago, além de lá ser mais comum encontrar pessoas de olhos grandes, cabelo mais crespo e com tons mais castanho-escuros do que pretos. E devido à província de Okinawa ter sido um país que foi anexado ao Japão, muitos não consideravam os okinawanos “japoneses de verdade”. Isso também nunca atrapalhou muito a ideia de que o Japão tem uma etnia mais ou menos uniforme. Os poucos negros nunca foram muito percebidos lá, exceto os que são artistas.
嘘泣き (“Usonaki”) – Jero
Foi no mínimo politicamente incorreto resgatar esse tipo de representação caricata, mas muitos japoneses não tiveram essa percepção negativa, muito menos os artistas. Como dito anteriormente, a questão parece ser mais de ignorância do que uma ideia negativa pré-concebida.
Quando fotos da gravação surgiram na internet, houve grande burburinho nas redes sociais e foi feita uma petição on-line com mais de 4.500 assinaturas de pessoas indignadas com a imagem preconceituosa. Foi o bastante para a emissora cortar a cena do programa para o qual havia produzido, a fim de evitar o que poderia ser um constrangimento internacional.
O curioso é que a escolha de Ariana aconteceu apenas alguns dias depois do caso envolvendo as Momoiro Clover Z ter ecoado nas redes sociais japonesas.
Ariana Miyamoto certamente não representa fisicamente semelhança com a maioria das mulheres japonesas, mas ela está além dessa discussão. Ela já é uma figura de importância histórica e que sem dúvida começou a derrubar muitas ideias e imagens pré-concebidas dos japoneses sobre os negros e do mundo sobre os japoneses.
Ainda assim, seus traços mostram a delicadeza que se tornou o estereótipo da mulher japonesa ao mesmo tempo em que evidenciam uma mistura racial que acrescenta mais nuances a um povo que, afinal de contas, não é tão homogêneo como se pensava.