As sinhás pretas da Folha

Começo a ler o artigo e pauso. Verifico a data do jornal: não é o século 19

Abro este jornal. Nele, um artigo sobre “negras prósperas no ápice da escravidão“. Eu pauso. Verifico a data do jornal: não é o século 19. Continuo a leitura. O autor promete “complicar as narrativas de ativistas”; afirma que a “culpada é a época e seus valores diferentes dos nossos”; e que nos traria “maturidade e conciliação” as “lindas histórias de vida das sinhás pretas”.

Ao terminar de ler o texto, eu senti ânsia de vômito, literalmente; um misto de repugnância e desânimo. Não sabia que ler jornal me causaria isso. Ilustrando o texto, foram colocadas imagens da máscara de flandres, usada ora como instrumento de tortura escravagista, ora como meio de prevenção do banzo, o lento suicídio que consistia em ingerir terra até a morte. Folha, por que ainda precisamos nos masturbar coletivamente com a relativização da dor preta?

Munido da falácia reacionária que lhe é característica, Narloch usa histórias individuais para mascarar a brutalidade do seu argumento: legitimar a escravidão ao relativizá-la. Imagino como se sentiriam as escravas diariamente estupradas lendo seu texto; ou os escravos doentes jogados ao mar: faltou-lhes capitalismo?

É peculiar da branquitude discutir o horror tomando chá: imagino as horas que serão gastas para se debater, com calma, se a linha editorial da barbárie foi ou não cruzada. Não há zona cinzenta aqui. O problema não é fazer referência a “negras minas” —que eventualmente enriqueceram— ou a outras figuras históricas, o problema é, de forma ao mesmo tempo risível e desonesta, utilizá-las para suavizar a brutalidade da escravidão.

O que está em jogo é se a pluralidade que este jornal preza inclui racismo. Jornais são documentos históricos: eu me reservo a dignidade derradeira de dizer com todas as letras que a coluna de Leandro Narloch é racista; que publicá-la faz do jornal conivente; e que em algum momento a corda do pluralismo esticou a tal ponto que nos enforcará.

+ sobre o tema

Constituição, 36 anos: defender a democracia

"A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação...

A cidadania vai além das eleições

Cumprido ontem o dever cívico de ir às urnas...

Eleições municipais são alicerce da nossa democracia

Hoje, 155,9 milhões de eleitores estão aptos a comparecer...

Eleição: Capitais nordestinas matam 70% mais jovens que Rio de Janeiro

As capitais nordestinas matam cerca de 70% mais jovens...

para lembrar

Vou falar com o Piloto! A repugnante elite dos aeroportos (e dos estádios e tudo mais…)

Por: Rosana Pinheiro Voltar ao Brasil para mim é sempre um...

Seleçao brasileira: Os soldados de Dunga

Por: FERNANDO DE BARROS E SILVA SÃO PAULO -...

Historiador citado por Toffoli rejeita chamar ditadura de ‘movimento’

Em seminário sobre Constituição de 1988, o presidente do...

Sexo e as negas: Quais os regimes de visibilidade possíveis?

por Rosane Borgesi A insurgência em torno dos regimes de...

Cresce número de empresas sem mulheres e negros em cargos de direção, mostra B3

A presença de mulheres e pessoas negras em cargos de direção em empresas listadas na bolsa brasileira regrediu em 2024, em comparação com o...

Filantropia comunitária e de justiça socioambiental para soluções locais

Nasci em um quintal grande, que até hoje é de terra. Lembro-me de ficar sentada na janela da sala observando a chuva. Nasci em...

Macaé Evaristo manifesta preocupação com exposição excessiva às bets

Recém-empossada no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo manifestou grande preocupação com as consequências da exposição das pessoas, em especial crianças...
-+=