Eunice Prudente é 1ª mulher negra na Academia Paulista de Letras Jurídicas

Professora e acadêmica cresceu em um ambiente onde se discutiam questões sociais, como racismo

Desde a infância, a professora e acadêmica Eunice de Jesus Prudente teve claras noções de comunidade e direitos humanos. Seus pais, o metalúrgico Joaquim José de Jesus e a tecelã Orlanda Carmo Jesus, frequentavam reuniões da juventude operária católica e discutiam questões sociais a partir do Evangelho segundo São Mateus. Ela, ainda criança, viu a importância do que era discutido.

Dessa experiência surgiu seu interesse pela política e questões raciais e sociais, temas que a acompanham em sua carreira no direito. “Na minha casa sempre se discutiam muito questões políticas, questões de igualdade”, diz ela, que nasceu no bairro da Mooca, região leste de São Paulo. “Essa falácia de que o Brasil é uma democracia racial, na minha casa não foi discutida assim, não. Sempre foram posicionamentos muito críticos.”

Esses pensamentos moldaram seu propósito no direito, principalmente na área de direitos humanos, fazendo com que profissionalmente buscasse a igualdade no exercício de direito para todas as pessoas.

Estudante de escola pública, Eunice também foi aprovada em história na USP (Universidade de São Paulo), mas foi a advocacia que a ganhou por completo. Ela se formou na Faculdade de Direito da instituição, onde também fez mestrado e dourado. Em 1980, defendeu a dissertação sobre preconceito racial e igualdade jurídica no Brasil. Depois, virou professora na instituição.

Em agosto deste ano, Eunice se tornou a primeira mulher negra a tomar posse na Academia Paulista de Letras Jurídicas, fundada em 2009, ocupando a cadeira de número 17 (de um total de quase 80). “Me sinto muito honrada em integrar esta academia”, afirma.

Ela espera que o cargo seja o prenúncio de um novo momento. “Na minha área de estudo e de trabalho tem muitas mulheres negras muito bem preparadas”, diz. “A gente espera que em outras instituições e que nas academias elas também estejam presentes nos postos de direção.”

Para ela, o segredo para que essas mulheres alcancem mais espaço nas instituições é a participação política intensa, além de atuação do movimento negro. Eunice participou da campanha para a nomeação de uma mulher negra para ocupar a vaga da ex-ministra Rosa Weber no STF (Supremo Tribunal Federal). A indicação do presidente Lula (PT) foi a do ministro Flávio Dino.

Defensora ferrenha da democracia, ela ressalta a importância da Constituição de 1988, a qual diz ser inclusiva. “Ela [a Constituição] tem o nosso semblante, porque ela veio de uma luta unificada de todos os movimentos sociais contra a ditadura”, afirma.

Aluna do jurista Dalmo de Abreu Dallari, que ela descreve como “um humanista que enfrentou a ditadura e lutou pelos direitos humanos”, Eunice recorda uma fala do professor que destacava a interseccionalidade de seus ideais: “claro que você levanta a bandeira do racismo, mas lembre-se que você também é mulher, você também vem de uma família trabalhadora. Há outras opressões nessa sociedade que precisam ser enfrentadas pelo direito”.

Segundo ela, os movimentos sociais já foram pouco informados sobre a questão de gênero e etnia. “Hoje não há sindicato, associação de trabalhadores, que não tenham mulheres e negros lutando pela igualdade.”

Ela afirma, por exemplo, que o debate de gênero dentro do movimento negro resultou na visibilidade do ativismo de intelectuais negras. Ganharam destaque nomes como Lélia GonzalezBeatriz Nascimento e Sueli Carneiro. “O movimento negro se inspirou muito nessas mulheres e a visão delas são as práticas interseccionais. É uma maneira muito inteligente, real, de enfrentar questões sociais muito complexas”, afirma.

Além da carreira acadêmica, Eunice tem experiência em cargos políticos no estado e na cidade de São Paulo. Em abril deste ano foi nomeada secretária municipal de Desenvolvimento Econômico.

Como secretária, Eunice tem se reunido com pessoas do meio corporativo e empresários. “Há muita gente, muita associação compromissada com essa justiça social”, diz ela, referindo-se ao artigo 170 da Constituição, que versa sobre o compromisso com responsabilidade social que deve permear o empreendedorismo. “Ser um capitalista no Brasil é ver bem além do lucro”, diz.

Raio-X

Eunice de Jesus Prudente, 78. Nascida no bairro da Mooca, em São Paulo, é graduada em direito (1972), mestre (1980) e doutora (1996) pela Faculdade de Direito da USP, onde é professora de direito do Estado. Integrou o conselho da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), bem como a diretoria da Seção São Paulo e a diretoria da Escola Superior de Advocacia da OAB-SP. Atuou como diretora-executiva da Fundação Procon-SP (2006) e foi secretária de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo (2007-2008). Atualmente é titular da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico.

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