Kabengele Munanga diz que políticas de cotas podem corrigir quadro gritante de discriminação no Brasil

Foto: IEA

Representante do Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (USP), Kabengele Munanga participou do segundo dia de debates da audiência pública sobre políticas de acesso ao ensino superior, promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Africano residente no Brasil há 35 anos, o doutor em antropologia social considerou “gritante” o quadro de discriminação no país, se comparado com outras nações que conviveram com o racismo, como os Estados Unidos e a África do Sul. “Os dados mostram que, à véspera do Apartheid, a África do Sul tinha mais negros com diploma de nível superior do que no Brasil de hoje”, observou.

Para ele, “algo está errado no país da democracia racial, que precisa ser corrigido”, e que pode ser alcançado, ou amenizado, por meio da adoção de programas de ação afirmativa. Ele lembrou que nos últimos oito anos, a começar pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde a política de cotas foi aprovada em 2001, dezenas de universidades públicas federais e estaduais passaram a adotar o sistema, contrariando, segundo ele, “todas as previsões escatológicas dos que pensam que provocaria o racismo ao contrário e, consequentemente, uma guerra racial”.

De acordo com Munanga, a experiência brasileira desses últimos anos mostra totalmente o contrário. “Não houve distúrbios, linchamentos raciais em nenhum lugar. Não apareceu nenhum movimento ‘Ku Klux Klan’ à brasileira”, frisou. Prova disso, segundo ele, é que os programas de cotas raciais estão sendo bem aceitos e compreendidos pelo povo brasileiro. Ele citou avaliações realizadas recentemente, as quais revelaram que cresceu o número de ingresso e de diplomados negros e indígenas no ensino superior, chegando a um índice jamais antes alcançado em todo o século passado.

“O que se busca pela política de cotas para negros e indígenas não é para terem direito às migalhas, mas sim para terem acesso ao topo em todos os setores de responsabilidade e de comando na vida nacional onde esses dois segmentos não são devidamente representados, como manda a verdadeira democracia”, declarou. Para ele, educação e formação de boa qualidade oferecem a chave e a garantia de competitividade a todos os brasileiros, e a política de cotas busca a inclusão dos estudantes que, por razões históricas e culturais, ainda encontram barreiras.

Ele também rebateu os argumentos dos manifestamente contrários às políticas de cotas, entre eles, o de que o sistema adotado no Brasil é uma “política importada”, e o de que as cotas violariam o princípio do mérito, “segundo o qual, na luta pela vida, os melhores devem ganhar”.

Antes de concluir sua exposição, Munanga reafirmou sua posição favorável à constitucionalidade dos programas de cotas raciais, por serem políticas de integração da sociedade. “Mas como não há unanimidade em matéria de interpretação das leis e da Carta Magna da nação brasileira, resta para nós, pessoas comuns, apenas a esperança de que os que, de direito possam nos oferecer a sentença, possam nos oferecer a sentença que desejamos. Muito agradeço a oportunidade de defender, sem medo de errar, os interesses de um segmento importante da sociedade brasileira, que são também interesse do Brasil”, finalizou.

 

Fonte: STF

+ sobre o tema

Projeto de futuro

Mais de uma hora de fila para votar, no...

O que DJ Ivis e Liziane Gutierrez têm em comum

Eu fico um pouco impressionada com quem consegue falar...

para lembrar

YouTube anuncia fundo de US$ 100 milhões para influenciadores negros

O YouTube abre no próximo dia 21 de junho as inscrições...

Esporte na infância é direito, liberdade e diversão

Meninas podem ser o que quiserem. Para algumas pessoas...

Luta contra o racismo na final de Hamburgo

  A UEFA, a rede FARE e a...

A negritude e o universal africano

Os múltiplos significados do conceito de “negritude” vistos pelas...
spot_imgspot_img

Construção de um país mais justo exige reforma tributária progressiva

Tem sido crescente a minha preocupação com a concentração de riqueza e o combate às desigualdades no Brasil. Já me posicionei publicamente a favor da taxação progressiva dos chamados...

Juiz condena alunas do Vera Cruz por racismo contra filha de Samara Felippo

A Justiça de São Paulo decidiu, em primeira instância, pela condenação de duas alunas por ofensas racistas contra a filha da atriz Samara Felippo. O...

Shopping Higienópolis registrou ao menos 5 casos de racismo em 7 anos

O shopping denunciado por uma família após uma abordagem racista contra adolescentes já registrou ao menos outros quatro casos semelhantes nos últimos sete anos. O...
-+=